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Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

Incertezas econômicas do coronavírus impedem a morte do populismo

Democratas liberais podem substituir populistas autoritários, mas é possível que surjam outros no caminho

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Será que a pandemia vai acabar com populistas autoritários? É uma hipótese. Se a pandemia ensinou alguma coisa é que os “defensores do povo”, na hora da verdade, são os primeiros a abandonar o barco.

Para mim, isso é um grande mistério. O populismo é uma forma de paternalismo. E teria sido fácil a Donald Trump, ou a Jair Bolsonaro, encarnar a figura do Grande Pai, que protege o seu povo das predações do “vírus chinês”.

O descaso com a pandemia só pode ser explicado por uma mistura de estupidez política e, como me disse uma amiga brasileira, com imenso humor, “masculinidade tóxica”. Eles querem tanto ser machos que qualquer exibição de temor convida à atitude contrária: não, não é a coragem; é a mais criminosa imprudência.

É por tudo isso que Yascha Mounk, colunista da Folha, está moderadamente otimista. Em artigo para a Atlantic, Mounk vai cartografando o destino amargo dos populistas.

Sim, existem exceções (Filipinas, Peru). Mas, olhando para a Europa, a tribo vai declinando: na Alemanha, na França, na Hungria.

O mesmo sucedeu nos Estados Unidos; e há sinais promissores no Brasil ou no México. Motivos para festejar?

Mounk acredita que sim: a pandemia teria sido o momento em que o bom povo recuperou a sanidade.

Eu, com a devida vênia, tenho dúvidas. Para começar, não vejo a sanidade do povo. O que vejo é um desinteresse crescente pelos partidos políticos —todos eles— que se traduz em níveis de abstenção inconcebíveis. Fato: Marine Le Pen foi a grande derrotada das últimas eleições regionais na França. Novo fato: os partidos tradicionais do centro voltaram a ressuscitar.

Mas como levar a sério essas eleições quando 66% dos franceses nem se deram ao trabalho de votar?

Eis a primeira conclusão amarga: nas democracias do Ocidente, cresce essa bolsa de gente apática ou abertamente hostil que, por enquanto, se retira do jogo. Por enquanto. Mas até quando?

Eis a segunda conclusão amarga: provavelmente, até sentir que a sua condição económica é intolerável.

A história é um bom guia e Martin Sandbu, no seu brilhante “The Economics of Belonging”, faz as honras da casa. Quando olhamos para a segunda metade do século 20, é impossível não explicar a consolidação democrática no Ocidente com as décadas de prosperidade que o pós-Segunda Guerra trouxe no seu rastro.

Esses níveis de prosperidade começaram a despencar na década de 1970, preparando o Ocidente para a primeira grande vaga populista na Europa e nos Estados Unidos.

Essa vaga abateu na década de 1990 e na primeira década do século 21, quando o crescimento econômico permitiu que a democracia liberal voltasse a brilhar no coração das massas.

Mas a crise financeira de 2008 trouxe uma segunda vaga —e, com ela, uma regressão democrática.

A pergunta é óbvia: como escrever o obituário do populismo quando ainda nem conhecemos as consequências econômicas da pandemia? Não conhecemos, vírgula: o aumento dramático da desigualdade já é um dado adquirido.

Sim, democratas liberais podem substituir populistas autoritários. Mas também é possível que novos populistas autoritários possam substituir os velhos.

Como diria um premiê chinês em 1972 sobre a herança da Revolução Francesa, ainda é muito cedo para dizer.

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