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Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

Descrição de chapéu Fies Enem

A liberdade de expressão deve ter prevalência sobre a cartilha das patrulhas

Meu problema é com a imposição autoritária de uma agenda qualquer

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Pobres humanidades. Sempre foram o parente pobre do ensino universitário. Agora correm o risco de desaparecer —no sentido simbólico e até material do termo.

Não falo apenas da inteligência artificial, que vai exigir dos humanistas formas mais criativas de avaliar os alunos. Eu, por exemplo, já não aceito ensaios dos meus. É tudo presencial.

Há vantagens: como dizia um colega meu, estamos voltando à Grécia Antiga, quando as "humanidades" ainda não existiam como disciplina formal e tudo era peripatético (pergunte ao ChatGPT o que é).

Brindo a isso. Pode ser que, assim, termine para muitos a grande farsa do "publish or perish" (tradução: faça reciclagem e volte a publicar) e esses universitários sejam obrigados a cultivar-se de verdade.

Mas a inteligência artificial não se limita aos programas de computador. Existe outra forma de inteligência totalmente artificial, no sentido de limitada, fanática, destrutiva.

Lendo a "Economist" desta semana pude ver que a Universidade da Califórnia exige de seus professores e pesquisadores um documento qualquer onde eles se comprometem a promover a diversidade, a equidade e a inclusão.

Em certos casos, não interessa o currículo científico do sujeito. Se ele não subscrever a cartilha progressista sobre essas matérias, não entra, não ensina, não pesquisa.

Que tenho eu contra a diversidade, a equidade e a inclusão?

Nada contra, tudo a favor. Meu problema é com a imposição autoritária de uma agenda qualquer. Quem leva a sério a diversidade, a equidade e a inclusão não defende políticas que são favoráveis à uniformidade (de pensamento), à desigualdade (de acesso à universidade) e à exclusão (de quem não reza pelo mesmo credo).

Ilustração de Angelo Abu para coluna de João Pereira Coutinho de 13.fev.23 - Angelo Abu

Se esses juramentos continuarem, prevejo uma de duas coisas: a ruína definitiva das humanidades (haverá algum pai sensato que queira seus filhos doutrinados numa madrassa?); ou, pior ainda, o triunfo do cinismo. Janet Halley, professora de direito em Harvard entrevistada pela "Economist", também contempla essa última hipótese.

Seria lindo: pessoas jurando seu amor à diversidade, à equidade e à inclusão quando, interiormente, estão dando gargalhadas sobre o assunto porque o que interessa é enganar o júri e passar pelos portões.

O que é válido para a Universidade da Califórnia é válido para o sistema de ensino da Flórida. O governador Ron DeSantis, a grande promessa dos republicanos para derrotar Trump (primeiro) e Biden (depois), aprovou o seu "Stop W.O.K.E. Act". O objetivo, entre outros, é proibir o ensino de "critical race theory".

No fundo, o conservador DeSantis imita seus adversários da "guerra cultural", metendo o nariz onde não é chamado.

Será preciso lembrar que a autonomia das instituições e a liberdade de expressão devem ter prevalência sobre a cartilha das patrulhas, sejam de esquerda, sejam de direita?

Um ensino adulto e livre é também pluralista e confrontacional. Neste planeta, é tão legítimo ensinar "critical race theory" como criticá-la abertamente.

De resto, se o professor acorda, respira e adormece pensando na diversidade, na equidade e na inclusão, ótimo para ele. Mas é igualmente legítimo que outros professores ou pesquisadores acordem, respirem e adormeçam pensando nas suas particulares obsessões científicas.

Já sei, já sei: o leitor cético está dizendo que esse mundo não existe porque o bom senso não foi democraticamente distribuído pela humanidade.

Fato. Nem eu espero esse milagre, razão pela qual só posso aplaudir os novos planos do governo britânico para tentar lidar com a doutrinação e a cultura de cancelamento nas universidades.

Basicamente, o governo do premiê Rishi Sunak quer garantir que professores, pesquisadores ou alunos possam processar as instituições de ensino quando elas não garantem o direito à liberdade de expressão.

É um caminho inteligente: permitir que sejam os indivíduos, não o poder central, a defenderem os seus direitos fundamentais quando se sentem injustiçados. Quem sabe?

Se a racionalidade não é mais escutada nesse debate, pode ser que a conta bancária fale mais alto.

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