Os romenos são um caso. Lemos os pensamentos de Tristan Tzara, as peças de Ionescu, os diários de Mircea Eliade —o seu diário português é um achado— e encontramos uma forma de ver e de viver a vida que, de tão trágica, ganha contornos obviamente cômicos. Uma contradição?
Não creio. Segundo vários relatos, o escritor Franz Kafka costumava rir até às lágrimas quando lia as suas histórias aos amigos. Acontece o mesmo comigo quando leio os aforismos do inestimável (e romeno) Emil Cioran.
É esse mundo sombrio, delirante, às vezes grotesco e infantil que encontramos em "Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental", o mais recente filme de Radu Jude.
Primeira advertência: não é um filme para toda a família. Os primeiros cinco minutos são pornografia hardcore: Emi, uma professora de história em Bucareste, decide gravar um vídeo íntimo com o marido.
Escusado será dizer que produções dessas podem acabar barbaramente mal: o vídeo é vazado nas redes (intencionalmente? Por engano?) e a professora é chamada ao colégio para uma sessão de esclarecimento com os horrorizados pais dos alunos.
A câmera de Radu Jude começa por acompanhar a professora na sua interminável caminhada rumo ao colégio. É a oportunidade perfeita para mostrar Bucareste, essa "Paris do Leste" que a ditadura comunista de Nicolae Ceaușescu foi arrasando em nome da ideologia.
O que ficou é uma paisagem de plástico, invadida por luzes horrendas e habitada por seres ainda mais horrendos, que se insultam com uma violência desesperada. Não é um exclusivo romeno, eu sei —morar em qualquer grande cidade, e sobretudo dirigir pelas suas ruas, é contemplar o cemitério da gentileza e da sanidade. Mas os romenos deste filme fazem da grosseria uma arte.
Esse painel urbano permite a Radu Jude interromper a trama principal para introduzir uma espécie de enciclopédia sobre o país e o mundo.
É o seu "Breve Dicionário de Anedotas, Sinais e Maravilhas", uma sucessão de quadros onde o humor e o cinismo nos permitem contemplar o papel do exército romeno em todas as grandes repressões do seu povo, a "neutralidade" da igreja ortodoxa durante a revolução de 1989, que depôs Ceausescu, ou a violência anônima que persiste nas famílias —seis em cada dez crianças do país são vítimas de violência doméstica.
No final do dicionário, entendemos melhor o comentário cruel (e divertidíssimo) que Aleksandr Blok deixou no seu diário, em 1912: "Ontem tive uma grande alegria com o naufrágio do Titanic. Ainda há oceano."
E chegamos ao encontro da professora com os pais dos alunos. Uma sessão onde essas respeitosas figuras condenam a "imoralidade" de Emi —mas não do seu marido— ao mesmo tempo que expelem as maiores torpezas contra mulheres, judeus ou ciganos.
"Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental" não é para todos os gostos –e não é para o meu. Em termos de sátira e aceitando a divisão clássica entre Horácio e Juvenal, prefiro a escola do primeiro –menos óbvia, menos gritante, menos selvagem, mas mais eficaz na sua subtileza irônica e inteligente.
Mas também admito que existem vantagens no circo de horrores que Radu Jude nos apresenta. A maior delas é confrontar diretamente o moralista que há em nós com o reflexo das suas próprias sujidades.
Comparado com elas, o pornô de Emi é uma brincadeira de crianças.
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