Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Saiba como a inteligência artificial pode aprender a falar com animais

Bioacústica digital e algoritmos prometem inaugurar comunicação interespécies

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Saguis são bichos estranhos. Há histórias incríveis de micos roubando objetos e comida de apartamentos em Santa Teresa, no Rio, ou os óculos de turistas enjaulados em carros no antigo Simba Safari paulistano. Só falta usarem ChatGPT.

Um deles, em Caruaru (PE), se vingou urinando no jornalista que não lhe deu comida. A mesma vítima já se viu encurralada por um bando de minipivetes, com a mulher, num chalé de hotel de praia perto de Ilhéus (BA).

O erro do casal hospedado foi colocar bananas no deque da cabana, que atraiu uma dúzia de macaquinhos. O primeiro a chegar emitiu guinchos que quase não se ouviam, mas ficaram registrados no vídeo gravado com câmera digital.

Logomarca do ChatGPT
Dado Ruvic/Reuters

O erro seguinte foi assistir à filmagem na tela de cristal líquido da máquina. O que era quase inaudível, ao vivo, na reprodução pelos minúsculos alto-falantes do aparelho escapou completamente aos ouvidos humanos —mas não aos diminutos tímpanos dos miniprimos primatas.

O deque começou a se encher de novo de saguis em busca de bananas, que não estavam mais lá. Dava para ver que estavam irritados e pareciam decididos a invadir o quarto em busca de frutas.

As portas de vidro foram fechadas com rapidez. Vários deles se aproximaram, espiando o interior com as mãozinhas apoiadas na vidraça. Demorou alguns minutos para se convenceram de que tinham caído num engodo (involuntário, verdade).

O casal saiu da experiência convencido de que os guinchos que mal se ouviam foram na verdade um chamado bem preciso: "Venham, venham, está sobrando banana aqui". E, mais ainda, que era possível seres humanos se comunicarem com os micos por meio de um aparelho, mesmo desconhecendo o que diziam.

O cerco simiesco ao chalé voltou à memória com a leitura de entrevista de Karen Bakker, da Universidade de British Columbia, para a revista Scientific American. Autora do livro "The Sounds of Life" ("Os Sons da Vida"), ela defende a ideia instigante de que a tecnologia vai ajudar a entender o que animais falam entre si, quem sabe até a falar com eles.

Seria uma chacoalhada merecida no antropocentrismo, a começar pelo dogma de que a linguagem simbólica é privilégio da espécie humana. Lá se foi o tempo em que estudos desse tema com animais se limitavam a tentar fazer com que se comunicassem como nós, como ao ensinar a língua de sinais para a gorila Koko.

Agora se trata de investigar como outras espécies se entendem em seus próprios termos, explica Bakker. Antes de mais nada, lançando mão da bioacústica digital (BD): microfones e gravadores miniaturizados que podem registrar sons emitidos por animais, ao longo de muitas horas, no próprio ambiente em que vivem.

O registro origina uma avalanche de dados, analisados então por meio de inteligência artificial (IA). Em resumo, algoritmos para buscar padrões linguísticos na algaravia, ferramentas como as criadas para processamento de linguagem natural que permitiram avanços como o tradutor do Google e o ChatGPT.

Com esses recursos, conta Bakker na entrevista, já foi possível constatar que morcegos, por exemplo, usam algo próximo de nomes próprios para se comunicar, embora não possamos ouvir nem entender o que dizem. Mas a dupla BD-IA pode.

Chegará o dia da comunicação interespécies, em que falaremos com os animais e eles nos entenderão? O dia em que deixaremos de sorrir e balançar a cabeça, com desdém, quando um indígena da floresta disser que animais e plantas são seres sociais como nós —"humanos", a seu modo?

Tomara. Aí o jornalista apavorado com os saguis, em lugar de repetir mecanicamente "está sobrando banana aqui", poderia usar sua limitada inteligência natural para perguntar ao ChatGPT.2.0: Como se diz na língua deles "fiquem na sua, seus pirralhos"?

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