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Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

Descrição de chapéu Rússia

Só neuróticos defendem que as pessoas devem concordar com as outras

O pluralismo de opiniões, ao contrário do que pensam os fanáticos, não é sintoma de fracasso ou de falta de bom senso

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Bom senso é como o sentido de humor: todo mundo pensa que tem. De certa forma, é verdade (o bom senso, não o humor): se você está no vigésimo piso e alguém te convida para pular da janela, uma parte substancial da humanidade talvez rejeite o convite. Exceto na Rússia, onde é má-educação recusar.

Mas, tirando o básico dos básicos, será que o bom senso existe para as questões maiores da sociedade?

Dois cientistas da Universidade da Pensilvânia, Mark Whiting e Duncan Watts, resolveram investigar. Os resultados, segundo a Economist, só confirmam minha afirmação primeira: quando lidamos com fatos simples, o bom senso impera.

Dois homens seguram a seta correndo na posição oposta - Vadym/Adobe Stock

Porém, quanto as questões sobem a ladeira da abstração e da complexidade, deixa de haver concórdia entre os homens sensatos.

Corrijo. A concórdia é mais provável em matérias científicas e tecnológicas, esclarecem os autores. Mas a filosofia e a história estragam a pintura.

Há quem lamente essa trágica dissonância: tudo seria melhor se as pessoas simplesmente concordassem umas com as outras, dizem os neuróticos da conformidade.

Acontece que as pessoas nem sempre podem concordar, atendendo à natureza que as define —e, melhor ainda, à natureza das próprias questões que enfrentam.

O filósofo Isaiah Berlin (1909 – 1997) escreveu maravilhosamente sobre o assunto. Quando falamos de conhecimento humano, existem duas classes de problemas que, em princípio e também na prática, têm uma resposta.

Na primeira classe estão as questões que podem ser respondidas pela observação e pela inferência do que foi observado. As ciências naturais, ou o mero bom senso de não pular do vigésimo piso, encontram-se nesse time.

A segunda classe de problemas é formal. Como a matemática. Tendo em conta certos axiomas, e as regras que nos permitem deduzir outras proposições a partir desses axiomas, chegaremos a um resultado.

Sim, podemos não saber a resposta para problemas que dependem da observação ou do cálculo. Mas sabemos, pelo menos, quais os métodos apropriados para responder a tais questões.

A filosofia, e em particular a filosofia política, não é assim. Desconhecemos as respostas. Desconhecemos até como "procurá-las". O que é a liberdade? O que é a justiça? O que é a igualdade?

E qual desses valores é mais importante?

O pluralismo de opiniões, ao contrário do que pensam os fanáticos, não é um sintoma de fracasso —ou de falta de bom senso.

É a decorrência inevitável da ambiguidade das perguntas —e, já agora, do fato humano, demasiado humano, de pessoas diferentes desejarem coisas diferentes.

De vez quando, lá aparece um líder populista que, em nome do povo, defende o regresso ao "bom senso", como se essa entidade mítica fosse um vestido "prêt-a-porter".

Não é. O bom senso de que ele fala é apenas uma máscara para esconder um projeto de poder. E para destruir o debate livre com a ilusão de que existe uma "solução final".

Em política, não existem "soluções finais". Ou existem, mas você já sabe como isso acaba.

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