Siga a folha

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

Descrição de chapéu X STF

Moraes e Musk têm a mesma concepção autoritária do poder

Esmagados entre dois egos radicais, milhões de brasileiros ficam com o prejuízo

Assinantes podem enviar 7 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

O mais engraçado dessa briga entre Alexandre de Moraes e Elon Musk é que eles são mais parecidos do que se imagina. Ambos têm uma concepção assaz autoritária do poder. Por isso se acusam com tanta ferocidade. Freud explica.

Eu explico também. Minha posição sobre posts "golpistas" no Twitter/X é bastante liberal: deixa estar. Se não existe um perigo imediato, tangível, urgente para a paz civil, do gênero "vamos tocar fogo no Congresso na próxima sexta-feira", a estupidez, a ignorância e o fanatismo farão sempre parte do bicho humano.

Não é uma posição original. Original? Tem 250 anos. Foi James Madison, no "Federalista" nº 10, quem melhor analisou o problema das "facções" em política —grupos majoritários ou minoritários que operam contra o "bem comum".

Há duas formas de lidar com elas, escreve Madison (ironicamente).

A primeira é obrigar todo mundo a pensar da mesma forma.

A segunda é esmagar qualquer dissonância com a força do Estado.

O resultado é o mesmo: o fim das fações —e da liberdade, claro.

Para usar a linguagem metafórica de Madison, é sempre possível extinguir o fogo pela privação do oxigênio que o alimenta. O fogo se apaga, sem dúvida, mas todo mundo morre asfixiado no processo.

Moral da história?

A multiplicação de fações é preferível à quimérica e perigosa perseguição de todas elas. Até porque essa multiplicação enfraquece o monopólio de uma só –observação sagaz que James Madison talvez tenha aprendido com Voltaire sobre as seitas religiosas (quantas mais, melhor).

Fato: Madison não conhecia as redes sociais e a forma instantânea como elas propagam incêndios. Mas o princípio continua valendo: não se apaga o fogo pela supressão do oxigênio.

Pois bem: a decisão de Alexandre de Moraes asfixiou todo mundo. Não está em causa, como dizem seus defensores, o respeito pela lei e pela soberania do país (já lá vamos).

Está em causa um "princípio de proporcionalidade" na aplicação da lei, que antigamente se ensinava nas boas faculdades. O problema de Moraes é com Musk, não com os 21 milhões de usuários que utilizam o X e ficaram às escuras.

E Elon Musk?

Nunca tive simpatia por revolucionários políticos. Elon Musk é um. Não tenho simpatia por ele. Prolongando a mesma vertigem futurista que normalmente termina no fascismo, há em Musk aquela urgência de que falava Filippo Marinetti no "Manifesto" de 1909: confiar na tecnologia e nas máquinas para enterrar o velho mundo e libertar a humanidade.

"Lançamos nosso desafio às estrelas!", gritava Marinetti, que ainda só conhecia as maravilhas do automóvel. Musk tem a vantagem de desafiar as estrelas de forma mais literal, usando o foguetão.

Para essa missão prometeica, não há leis, tradições, convenções. Há o ego do criador, que se considera muito acima da plebe como "anarquista utópico" que é.

Esse é o motivo principal por que o Vale do Silício, ou uma parte significativa dele, prefere Donald Trump a Kamala Harris. Não, não são apenas as vantagens econômicas prometidas (nem tudo é economia nessa vida, ó marxistas!).

A vantagem é filosófica, existencial, espiritual: Trump, na sua delinquência contra o "sistema", é uma alma gêmea que também só segue as regras que ele próprio determina.

A conduta de Musk no Brasil revela essa vertigem nietzschiana. Obedecer a lei do país, como Musk obedeceu às ordens de Erdogan (na Turquia) ou de Modi (na Índia) para remover certas postagens?

Não, Erdogan e Modi são líderes autoritários, exatamente como ele gosta, e por isso merecem um tratamento diferenciado.

Combater as decisões extremas de Alexandre de Moraes dentro da legalidade e do Estado de Direito?

Não, isso é para o rebanho. O verdadeiro Super-Homem levanta voo do país e o rebanho que se dane.

Nesse Fla x Flu entre Moraes e Musk, há quem veja no primeiro um defensor da democracia e no segundo um paladino da liberdade de expressão. Nem comento.

Prefiro pensar nos milhares, milhões de brasileiros que usavam o X para se comunicar, partilhar ideias, encontrar amigos, ganhar a vida. Pacificamente. Honestamente.

E que, esmagados entre dois egos radicais, acabam sempre pagando a conta do prejuízo.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas