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Economista, mestre em filosofia pela USP.

O MBL tem futuro?

A decisão do movimento de amadurecer nunca teve a coragem de ir até o fim

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Ir do Brasil para a Ucrânia em pleno conflito armado para ajudar na resistência contra os invasores russos? Era obviamente um golpe de marketing, um exemplo extremo de vale-tudo para aparecer, mas era também o tipo de coisa para capturar a atenção dos eleitores.

Não se vence eleição com debate técnico; é preciso fazer barulho. Aprove-se ou não seus métodos, o MBL é craque na comunicação das redes sociais.

Não contavam, contudo, com o desastre dos áudios de Arthur do Val sobre as mulheres ucranianas. Mistura de machismo com o detalhe sórdido extra da exploração da pobreza pelo turismo sexual.

Comparar uma fila de refugiadas com uma fila de mulheres na balada não é o que se espera de um defensor da família. E isso veio poucas semanas depois do episódio em que Kim Kataguiri defendeu a liberdade à defesa do nazismo.

O MBL nasceu dos protestos de junho de 2013 que reconfiguraram a política brasileira. Tanto nas propostas quanto na comunicação eram a cara do sentimento antissistema que marcou aqueles dias. Seu mix de linguagem das redes (cortes de vídeos e memes), pose de outsider virtuoso, indignação moralista e liberalismo econômico radical funcionou muito bem nos protestos contra o governo Dilma e também nas eleições de 2018, em que optaram por ser linha auxiliar do bolsonarismo.

Congresso Nacional do MBL (Movimento Brasil Livre), em São Paulo - Vítor Liasch - 24.nov.18/Movimento Brasil Livre

Pessoas próximas ao MBL protagonizaram as primeiras milícias digitais, verdadeiros gabinetes do ódio e fábricas de fake news contra adversários e desafetos, como Marielle Franco.

E, no entanto, o governo Bolsonaro, que ajudaram a eleger, foi também uma janela para uma possível redenção. Ao se negarem a serem coadjuvantes do governo, foram cuspidos pelo bolsonarismo e perderam uma boa fatia de seu público.

Daí em diante o MBL se converteu em movimento de oposição democrática, estabelecendo pontes inclusive com políticos e pensadores de todo o espectro político, inclusive comigo.

A decisão de amadurecer, contudo, nunca teve a coragem de ir até o fim. Talvez porque perdessem justo aquilo que os destaca. É difícil combinar comunicação sensacionalista e que tende ao extremismo —sempre com ataques, rótulos e oportunismo de sobra— com postura responsável no exercício do poder. Apesar do discurso de renovação, voltaram várias vezes às velhas práticas, como quando moveram campanha contra o Padre Júlio Lancelotti.

O deputado Kim Kataguiri ilustra bem o dilema do grupo. É inegável que amadureceu muito depois de eleito (apesar dos deslizes de um ex-libertário), e hoje é um deputado produtivo, propositivo e, ademais, disposto a trabalhar junto de todos os seus colegas.

Posso lamentar muitas de suas pautas (como o desprezo pela questão ambiental) e mesmo assim reconhecer que, em sua conduta, é um deputado acima da média. Mas será que, para se reeleger, vai se erguer sobre seus méritos ou apostar no sensacionalismo agressivo que o elegeu em 18? Tem sentido, para um deputado sério, continuar no MBL?

Uma coisa é construir uma aparência; outra é manter a substância longe das câmeras. Arthur Do Val, em sua conduta predatória, não é diferente de tantos outros supostos "conservadores" que nos governam; apenas se deslumbrou mais e falou mais.

No vale-tudo para ficar por cima, divulgar áudios destruidores de alguém que se considerava seu amigo é só mais uma ferramenta. O MBL agora experimenta um pouco dos linchamentos virtuais que ele próprio ajuda a promover. Oportunismo, falta de escrúpulos, histrionismo tudo por fama, sexo e poder; será que suas virtudes na comunicação são separáveis de tudo isso?

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