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Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

O torcedor desavisado chegou ao estádio e, em vez do jogo, apenas deserto

Geraldinosson estava com um problemaço para resolver: o que fazer no sábado?

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O estádio estava lá, firme e forte como sempre. Gigantesco.

Mas havia algo estranho no ar. Ou melhor, na terra mesmo, nas ruas em torno de sua segunda casa, nas calçadas.

Quase 4 horas da tarde e o silêncio era ensurdecedor.

Morumbi fechado para o público durante clássico deste sábado (14) - Eduardo Knapp/Folhapress

Quando Geraldinosson chegou ao portão principal, aquele que sempre encontrou aberto ao entrar, e tantas vezes quis que se fechasse e guardasse para sempre suas emoções, estava, de fato, fechado.

E não havia viva alma para explicar por quê.

Apenas, na bilheteria em que ele já havia comprado mais de 2 mil ingressos em seus 50 anos de vida, um cartaz com o aviso: "Jogo cancelado".

Na cabeça de Geraldinosson aquilo não fazia o menor sentido.

Como cancelar sem mais nem menos um clássico tão importante? "Será que o mandante foi punido e o jogo vai ser disputado sem torcida?", pensou ao lembrar de castigos anteriores.

Mas o aviso era em sueco muito claro: "Jogo cancelado".

Pensando bem, concluiu que era mesmo melhor cancelar a manter jogos sem a razão de ser do futebol, o torcedor.

Embora estivesse com um problemaço para resolver: o que fazer naquele sábado? E, se a moda pega, no domingo?

Geraldinosson tinha ouvido falar num tal vírus com nome de cerveja mexicana, sem levar muito a sério. Nunca poderia imaginar consequência tão terrível. Sem futebol?!

Já tinha visto outras gripes fortes e assustadoras, lavava sempre as mãos, fazia exercícios, estava saudável e, agora, sem seu passatempo predileto.

Passatempo?!

Não, não reduza a paixão a mero passatempo.

Como sobreviver aos novos tempos de cólera?

Ao tomar o metrô de volta para casa, Geraldinosson tentou achar algum ponto positivo naquilo tudo.
Não demorou a encontrar.

Seu time fazia péssima campanha no campeonato, caía pelas tabelas, mais perto da segundona que da disputa do título.

Há males que vêm para bem, concluiu. "Vai que o campeonato é anulado, não tem campeão, nem rebaixamento, nem nada."

Geraldinosson chegou em casa mais conformado.

Explicou para a mulher por que voltara tão cedo e ligou a TV. "Quem sabe não tinha um joguinho para ver em algum país sul-americano", imaginou, ele que também gosta de basquete e ao comentar com o vizinho, no elevador, sobre o cancelamento do jogo que tinha ido ver, soube do cancelamento da temporada pela NBA. "Pobre Antetokounmpo, tão perto de ser campeão. Pobre LeBron James, talvez em seu último ano", pensou.

Logo esqueceu do basquete porque no canal de esportes estava anunciado, diretamente do Morumbi, em São Paulo, no Brasil, o clássico San-São, sem torcida, mas tudo bem, embora fosse assim como dançar com a irmã.

Só no Brasil mesmo, país alegre, confiante, que coronavírus que nada, Carnaval e futebol, futebol e Carnaval, ninguém segura este país!

O narrador informava antes do jogo começar que os cartolas brasileiros apenas seguiam a orientação do governo.

Geraldinosson ficou feliz da vida. Além daquele jogo, do Santos de Pelé, do São Paulo de Dani Alves, no dia seguinte teria mais, no estádio da abertura da Copa do Mundo de 2014, entre o Corinthians de Sócrates contra...ele não entendeu bem o nome do adversário, mas não tinha importância.

O que não sabia o distraído Geraldinosson é que brasileiro há muito tempo não se assusta com mais nenhum tipo de vírus, desde que o pior deles se instalou em Brasília e insiste em perdurar.

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