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Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

Não subestimem o 'pastor da Paula Lavigne'

Evangélicos não bolsonaristas desdenham Henrique Vieira, o pastor que mais combate o preconceito contra evangélicos

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"Por que o Jesus branco parece natural, universal, inquestionável e ninguém precisa provar? E por que o Jesus negro incomoda e as pessoas acham que isso é forçação de barra? A Bíblia vem sendo interpretada pelas lentes da casa branca. Então você retira da Bíblia o seu caráter popular, periférico, político, espiritual, negro."

Essa fala do pastor Henrique Vieira, registrada em entrevista disponível pelo podcast Trip FM, dialoga com um aspecto importante do fenômeno evangélico no Brasil. A maioria dos mais de 60 milhões de evangélicos brasileiros é preto ou pardo, mas —segundo argumenta o teólogo e historiador Marco Davi de Oliveira— os cargos de liderança nas igrejas evangélicas do país são ocupados predominantemente por brancos. É por instigar esses incômodos que mesmo pastores que não estão comprometidos com o bolsonarismo desmerecem a atuação de Henrique Vieira.

Um desses pastores resumiu sua crítica afirmando que "Henrique Vieira é o pastor da Paula Lavigne".

O pastor Henrique Vieira durante o debate O Conservadorismo e as Questões Sociais, realizado pela Fundação Tide Setúbal com apoio da Folha - Reinaldo Canato - 10.jun.19/Folhapress

Muitos outros pastores reproduzem variações das mesmas ideias: que Henrique não dialoga com a massa de evangélicos conservadores porque, para essas pessoas, Henrique não é um cristão e, sim, um progressista e "esquerdista" disfarçado de evangélico que usa o Cristianismo para defender pautas anticristãs.

Realmente, entre os evangélicos influenciadores com centenas de milhares de seguidores nas redes, Henrique é o único a defender a legalização do aborto, da maconha e a criticar o preconceito e a intolerância expressos por muitos evangélicos em relação à homoafetividade e às religiões de matriz africana. Por isso, tantos repetem o argumento sobre o isolamento dele.

"Se o mundo evangélico fosse um continente," explicou outro pastor em uma conversa particular, "Henrique seria uma ilha". Meu interlocutor acrescentou que o pastor progressista Ed Rene Kivitz, com cerca de 740 mil seguidores nas redes sociais, atrai para o debate influenciadores evangélicos como o pastor Silas Malafaia, que tem mais de 9 milhões de seguidores, enquanto Henrique, com mais de 850 mil, é ignorado dentro desse circuito.

Tudo isso é verdade, menos que Henrique terá um papel secundário nesta eleição.

Uma missão de Henrique (ele tem várias) é plantar uma minhoca crítica nas certezas de pessoas que, por uma mistura de razões justificadas e de preconceitos, enxergam os evangélicos como uma "legião de zumbis bolsonaristas". Essas pessoas que, em geral, são intelectuais, formadoras de opinião, jornalistas, artistas, hoje escutam e admiram pelo menos um evangélico, o pastor Henrique.

Aqui um exemplo da importância de sua atuação. Em dezembro de 2021, Henrique participou de uma live em que a cantora Zélia Duncan estava presente, e, após ouvi-lo falar, Zélia comentou:

"Eu, que sou da comunidade LGBT, só de ouvir a palavra ‘crente’, durante muitos anos, para mim, já acendia uma luz vermelha de ‘inimigos'. 'Aí vem um inimigo, uma pessoa que quer que eu morra, que preferia que eu não tivesse nascido.’ [Daí, desde 2018] eu comecei a esbarrar com você em certos lugares que eu ia na época da campanha. E você me intrigava. Eu dizia: ‘Caramba, um pastor aqui. Que saco, eu gosto desse cara! Toda vez que ele vai falar eu quero ouvir o que ele vai dizer.’ Então, isso aí já muda muito para mim."

Na mesma live, realizada pelo coletivo República do Amanhã, Henrique falou sobre caminhos para abrir canais de diálogo entre a esquerda e evangélicos pobres, que se aproximaram do bolsonarismo pela defesa que o presidente faz da moralidade e da família tradicional.

Henrique disse: "É muito estranho, muito ruim quando a vida é uma palavra da direita. E a palavra ‘vida’ remonta à política contra a legalização do aborto, então, nós não podemos defender a vida porque ‘vida’ é uma palavra da direita. Nós não podemos defender a família porque a família é uma construção burguesa ocidental necessariamente patriarcal. Muito conveniente para a lógica de reprodução do capital e para a exploração sobre a classe trabalhadora. Também não posso usar a palavra ‘amor’. Porque amor é uma coisa muito romântica, careta, simplória, que não é política, que não conscientiza… Eu acredito que nós precisamos reivindicar [essas palavras]… Não podemos abrir mão do conceito de vida. Não podemos abrir mão do conceito de família. Não podemos abrir mão do conceito de amor e não podemos caminhar por cartilha e por palavra de ordem para enfrentar a pauta ou as pautas morais…".

Henrique é uma metamorfose: é a promessa e o exemplo de que o Cristianismo evangélico, entre muitas coisas, é um fenômeno modernizante que promove a ascensão socioeconômica entre os mais vulneráveis. Por isso são mulheres pretas e pardas que sustentam e promovem o evangelicalismo nos locais abandonados pelo Estado. Mulheres cujos filhos têm mais apoio para chegar às universidades e que de lá retornam às suas igrejas levando ideias e questionamentos que o panfletarismo e o ódio desinformado não conseguem levar. E, para muitos desses jovens evangélicos, que têm dificuldades para conciliar o que escutam nos cultos e as críticas pertinentes às igrejas, o pastor Henrique é uma referência importante.

Evangélicos não comprometidos com o bolsonarismo podem estar cometendo um erro ao isolar e desdenhar do pastor Henrique.

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