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Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

Profissionais do esporte são importantes, mas não como aqueles que salvam vidas

Pessoas envolvidas no cuidado dos doentes de Covid-19 devem ter prioridade na fila da vacina

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Efetivamente, a humanidade não cansa de me surpreender. Como superei os binarismos, não adjetivarei essa minha observação, porque a complexidade é bem mais complexa do que seu nome pode sugerir. Ou, como diria a teoria dos lados do Menino Maluquinho, todo lado tem muito mais do que dois lados.

Acrescento a essa observação a afirmação do meu desinteresse por filmes de ficção, muito embora tenha assistido a alguns deles anos atrás. Lembro com que descrédito assisti ao filme "2012", uma ficção sobre hecatombe e cataclismos que levava à destruição do planeta.

Apesar da destruição sem precedentes de bens materiais, o ponto alto do filme versava sobre os sobreviventes do planeta.

O primeiro fato a se destacar diz respeito às pessoas que tinham acesso à informação de que o fim estava próximo. E, do outro lado, a manipulação da informação para que a maioria das pessoas não soubesse o que estava acontecendo. Alguma proximidade com fatos recentes?

Mas minhas analogias não param aí. Os privilegiados informados, políticos ou endinheirados não apenas sabiam o que acontecia como compraram os poucos lugares em barcos/naves que sobreviveriam ao desastre. A plebe vil e ignara, como de hábito, sucumbiria aos tremores de terra e ao avanço das águas que chegaria a cobrir o Himalaia. As semelhanças persistem com os fatos atuais.

Sem querer querendo dar spoiler, ao final o sol iria brilhar para os bem-aventurados pagantes daquele transporte mítico que propiciaria o recomeço de uma nova civilização, provavelmente no continente africano.

O filme da primeira década de 2000 me parece super atual para falar sobre a corrida pela vacina. A panaceia que conterá o vírus que alterou o curso do planeta fez também a humanidade mostrar suas garras e dentes carcomidos pela sujeira e tártaro do liberalismo contemporâneo.

No princípio do distanciamento, a rede de solidariedade mínima mostrou a necessidade de compartilharmos bens materiais e apoio afetivo. Das sacadas dos apartamentos e das janelas de muitas casas não faltou o grito diário “fora, Bolsonaro”, vozes cantantes que enchiam a alma, projeções em prédios com mais “fora, Bolsonaro”, cuidados e recolhimento.

O tempo passou. A gripezinha permanece matando mais de mil por dia e já levou para os cemitérios mais de 230 mil pessoas só no Brasil. A vacina negada como efetiva na imunização passou a ser desejada tanto quanto a vaga no barco/nave do filme "2012".

E é nesse momento que avaliamos o limite da civilidade. Deveria ser inquestionável que todas as pessoas envolvidas no cuidado dos doentes de Covid-19 tivessem a prioridade na fila da imunização. No entanto, a falta de respeito e o egoísmo levam muitos a praticar a conhecida modalidade “carteirada”.

A justificativa para furar a fila da vida varia do clássico “você sabe com quem está falando” ao “minha função é mais importante do que a sua”. E assim são vacinados médicos e enfermeiros dos hospitais, merecidamente. Entretanto, em alguns casos, pessoal de limpeza, recepção e administrativo, mesmo dentro do mesmo edifício, são privados desse cuidado.

Não paro de me perguntar quem são os que fizeram essa lista e por que continuam a olhar de forma tão míope para o sistema como um todo.

Com paciência divina, espero pela minha vez na fila, que sei que em breve chegará. Sou essencial para a universidade, mas há pessoas mais essenciais que eu para a sociedade. Por isso, acredito que profissionais do esporte, embora sejam importantes para manter a maquina do entretenimento girando, devem dar a sua vez para quem ainda salva vidas.

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