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Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

A escola do seu filho é inovadora 'raiz' ou 'nutella'?

A linha pedagógica é uma opção das famílias, e nessa seara é temerário apontar o que é certo ou errado

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Em uma vila no norte da Itália, devastada pela Segunda Guerra Mundial, famílias que haviam perdido tudo se reuniram para construir uma escola com o dinheiro da venda de seis cavalos, três caminhões e um tanque de guerra abandonado pelos alemães após o fim das batalhas.

Nesse cenário de ruínas nasceu um conceito de educação que virou referência internacional e, curiosamente, seus fundamentos, que brotaram em meio à pobreza, tornaram-se, nos últimos anos, queridinhos também de escolas da elite econômica no Brasil e em outros países.

Essa abordagem tão em voga é conhecida como Reggio Emilia, nome da região na qual se disseminaram outras escolas inspiradas naquela erguida sobre as ruínas.

Esse projeto de reconstrução social baseou-se na coletividade e fortaleceu o vínculo entre as crianças, os educadores e as famílias, além de um espírito democrático em que o aprendizado é um processo de trocas, no qual o aluno e seus interesses são centrais.

Um de seus pilares é o das “cem linguagens das crianças”. O número, simbólico, enfatiza as múltiplas possibilidades de expressão na infância, razão pela qual se investe em ateliers para artes e trabalhos manuais.

Processo de aprendizagem das crianças nas escolas - Adobe Stock

O outro pilar é o da pedagogia da escuta: os educadores devem captar as diversas formas como o aluno se expressa para então traçar rotas de aprendizagem.

Daí porque Reggio Emilia vem a calhar hoje, quando o protagonismo de crianças e jovens se tornou palavra de ordem na educação, sustentado no Brasil inclusive pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que determina as diretrizes para os colégios públicos e particulares.

Ainda que o projeto nascido na Itália seja dedicado ao ensino infantil, suas ideias impregnaram outros níveis escolares e se inserem nos mais variados pacotes de inovação pedagógica.

Há iniciativas mais “Reggio Emilia raiz”, digamos, e outras “Reggio Emilia nutella”. Na versão “raiz”, os conceitos, ainda que mesclados a outros, são utilizados a partir da proposta original, em que a criança é vista como cidadã.

Já a “nutella” é aquela colocada em uma sopa de teorias de viés essencialmente mercadológico, que olha para os alunos apenas como projetos de futuros líderes ou empreendedores.

A linha pedagógica é uma opção das famílias, e nessa seara é temerário apontar o que é certo ou errado, mas é melhor que a escolha seja consciente. Assim evita-se comprar nutella por raiz, ou vice-versa.

Além disso, diante da atualidade desses conceitos da década de 1940, professores precisam conhecê-los.

Nesta semana, em São Paulo, teve início uma mostra com curadoria de representantes de Reggio Emilia organizada pela Diálogos, iniciativa de pedagogos brasileiros que oferece formação de professores por meio da troca internacional de experiências. “Sconfinamenti – Atravessar Fronteiras” atendeu mais de 500 visitantes nos primeiros cinco dias e fica em cartaz até 27 de novembro.

No próximo ano, Reggio Emilia será tema de uma série de eventos e debates em diversos países em comemoração ao centenário de nascimento do pedagogo Loris Malaguzzi (1920-1994), que chegou de bicicleta à escola que estava sendo construída com a venda do tanque de guerra e, a partir dali, desenvolveu a abordagem de Reggio Emilia.

Ele e Paulo Freire (1921-1997) admiravam-se mutuamente e tinham ideias complementares. O educador brasileiro desenvolveu a pedagogia crítica, em que o aprendizado é considerado motor para a transformação social.

Reconhecido mundialmente, é, como Malaguzzi, base para as mais diversas propostas inovadoras de educação, ainda que sofra atualmente uma bizarra execração do governo no Brasil.

A aversão não se mostra pautada em preocupações concretas expostas por uma parte dos pedagogos, por exemplo a de que essas abordagens não necessariamente funcionam em todos os contextos, inclusive considerando diferenças culturais, e a de que possam negligenciar os conteúdos obrigatórios.

Não prestam porque seus idealizadores eram de esquerda, e ponto final, na visão do lado Bolsonaro da força, seja ele raiz ou nutella.

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