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Leandro Narloch é jornalista e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros.

Descrição de chapéu clima

Negacionistas e aceitacionistas se equivalem na reação histérica contra quem questiona seus dogmas

Crítica necessária ao negacionismo não deve resultar em comportamento de sinal trocado

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“Bobo! Feio! Negacionista!”

Um costume comum nos debates de hoje é enquadrar o adversário numa categoria abjeta. Em vez de rebater números e argumentos, acusa-se a pessoa de algo horrendo e encerra-se a conversa. “Fascista” saiu de moda e deu lugar a “negacionista”.

Na semana passada, escrevi sobre um fato curioso: estamos aterrorizados com o clima (com ou sem razão) logo após o número absoluto de mortes causadas por eventos climáticos ter despencado (veja infográfico).

Os colegas Thiago Amparo, Antonio Prata e José Henrique Mariante, ombudsman da Folha, não gostaram e cravaram: eis um negacionista!

Ora, eu próprio afirmei na coluna que a mudança climática existe e tem origem humana: “Causamos um grave problema de efeito estufa” porque “emitimos muito (mas muito mesmo) carbono na atmosfera”.

O Manual da Redação da Folha, na página 74, recomenda exatidão e “evitar o uso de adjetivos”. O célebre projeto editorial da Folha de 1985 defende “críticas substantivas” em vez das “adjetivas, baseada em opiniões”.

Em vez de dizer que “João é ladrão”, preferir “João foi condenado por roubo”. Nem os colunistas nem o próprio ombudsman seguiram essa regra, pois se limitaram a adjetivos.

Pensei que mostrariam dados diferentes de mortes por eventos climáticos, fariam alguma verificação factual ou argumentativa, mas apenas espernearam contra a estatística. (Desculpa contar, mas o gráfico aqui abaixo não vai mudar só porque vocês não gostaram dele.)

Uma crítica interessante que os colegas poderiam ter feito é quanto a um erro de indução. O que aconteceu no passado não necessariamente vai ocorrer no futuro.

Eu próprio lancei a pergunta: será que a queda histórica de mortes vai se reverter e teremos óbitos aos bilhões? Respondi suspeitar que não e expus meu argumento. Os colegas não chegaram a tratar dele.

Sim, há uma ameaça constante de malucos contra vacinas e que tratam a Covid como uma gripezinha. Mas a crítica necessária ao “negacionismo” não deve resultar no comportamento com sinal trocado: o aceitacionismo, a reação histérica contra quem questiona previsões apocalípticas.

O ombudsman diz que a “crise climática precisa virar real prioridade” da Folha. Concordo e já sugiro o grande tema que passou batido na cobertura: a mudança de rota do IPCC em relação ao relatório anterior.

Em 2014, o IPCC considerava como provável o RCP8.5, cenário “business as usual”, baseado na ideia de que a humanidade não se mexeria contra o efeito estufa e a temperatura subiria entre 4 ºC a 5ºC.

Já no relatório da semana passada, o IPCC admite: “A possibilidade de cenários de altas emissões como o RCP8.5 e o SSP5-8.5 é considerada baixa à luz dos recentes desenvolvimentos no setor de energia”.
Será que o IPCC “repete argumentos negacionistas”?

A mudança de rota aconteceu por pressão de pesquisadores que desafiaram o consenso, como Zeke Hausfather, Glen Peters e o sociólogo da ciência Roger Pielke Jr.

O RCP8.5 se baseia, por exemplo, na estimativa de que até 2100 o consumo per capita de carvão mineral será seis vezes o atual. Isso é ridículo; para a Agência Internacional de Energia, o consumo desse minério está perto de atingir o ponto máximo.

Assim, os cenários que preveem um aumento de temperatura de 4ºC a 5ºC perderam força em favor de previsões de 3ºC. Ainda ruim, porém mais próximo do limite de 2ºC, a meta do Acordo de Paris.

Apesar da mudança de rota do IPCC, muitos jornalistas fincaram o pé no aceitacionismo. Desprezaram nuances, tomaram o cenário mais pessimista como o mais provável. E chamaram de negacionista quem apontou paradoxos ou contradições.

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