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Leandro Narloch é jornalista e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros.

Descrição de chapéu inflação

A inflação das palavras

Intelectuais e ativistas usam palavras cada vez mais fortes para dizer cada vez menos

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Entre tantas sacadas do economista Thomas Sowell, uma das mais interessantes é a "inflação verbal": o costume de intelectuais e ativistas de usar palavras cada vez mais fortes para dizer cada vez menos.

Na economia, não é novidade que o governo dá força à inflação se imprime dinheiro demais. Os preços sobem; os pedaços retangulares de papel colorido emitidos pelo Banco Central perdem valor. Para comprar as mesmas coisas, é preciso usar notas mais altas.

Também é assim na inflação de palavras. Os termos, de tão usados, se banalizam, desvalorizam. Para uma acusação causar o mesmo impacto, é preciso recorrer a palavras mais fortes.

Mão segura a letra A - Gabriel Cabral/Folhapress

"Fascismo" deu lugar a "racismo". Mas se há racismo em tudo e todos são racistas, a palavra também inflaciona, deixa de provocar o horror que deveria. É preciso recorrer a uma terceira cédula.

E assim passamos a ler que o antropólogo especialista em cultura africana que escreveu sobre racismo reverso não seria apenas "racista", mas "supremacista branco".

Do mesmo modo, o termo "aquecimento global" depreciou tanto que está sendo retirado de circulação. A moeda que o substitui é mais vistosa: "emergência climática".

No Brasil, talvez o melhor exemplo de inflação verbal seja a expressão "trabalho análogo à escravidão". Na maioria das vezes, se trata de um trabalho insalubre, mal pago e cheio de irregularidades, mas sem restrição de liberdade ou apreensão de documentos.

Em 2015, a revista Exame revelou empregados "libertados" do trabalho análogo à escravidão que ganhavam R$ 5.000 por mês, o que na época os colocava entre os 20% mais ricos do país.

O fiscal do Ministério Público do Trabalho os considerou escravos por causa da distância entre as camas e da presença de fios elétricos desencapados no alojamento. Uma situação bastante reprovável, mas bem diferente do que pessoas comuns entendem por trabalho escravo.

A inflação monetária não teria efeito nenhum se as pessoas pudessem se ajustar imediatamente a ela. Se o aumento de preços é de 100%, bastaria dobrar salários e valores de contratos e pronto, ninguém ganharia ou perderia.

Mas no mundo real a desvalorização não é uniforme. Quem primeiro recebe o dinheiro recém-criado consegue pagar dívidas e comprar produtos e serviços antes da alta de preços causada pela expansão monetária.

O mesmo "efeito Cantillon" ocorre na inflação verbal.

"Quando ‘assédio’, ‘discriminação’ ou até ‘estupro’ são redefinidos para incluir coisas que vão muito além do significado original dessas palavras, não haveria nenhuma mudança se todos entendessem esse novo significado e se os mesmos estigmas sociais e punições não fossem aplicados à vasta gama de coisas que esses novos significados agora englobam", diz Sowell em "Os Ungidos".

Os primeiros emissores das palavras em significados mais abrangentes compram barato um impacto que tende a enfraquecer com o tempo. Nos dois casos, todo mundo perde no longo prazo. A inflação monetária abala a credibilidade e a previsibilidade da economia, o que resulta em menos crescimento, menos vagas de trabalho, renda estagnada.

"Por motivos similares, as relações humanas sofrem quando a moeda verbal comum às interações sociais perde o seu significado e previsibilidade", diz o economista. "As pessoas precisam se proteger de novos riscos e se isolam ainda mais umas das outras, reduzindo a cooperação."

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