Leandro Narloch

Leandro Narloch é jornalista e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros.

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A melhor resolução de ano novo é não ter resoluções

Perfeccionismo está deixando as pessoas exaustas e decepcionadas com si próprias

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Não tenha resoluções de ano novo. Dê um tempo para si mesmo e deixe de lado a exigência de melhorar ou atingir metas. Pare de se julgar e se punir quando desvia do caminho para ser mais magro, mais influente, mais correto ou bem-sucedido.

É difícil escapar dessa resolução depois de ler o artigo "The perfectionism trap", que Josh Cohen publicou na 1843, a revista de grandes reportagens da Economist.

Cohen, psicanalista e professor de Teoria Literária na Inglaterra, vê no perfeccionismo contemporâneo a raiz de tristezas e distúrbios psicológicos bastante comuns hoje em dia.

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Queima de fogos no Réveillon de Santos, litoral paulista - Fernanda Luz-01.jan.19/Folhapress

Para ele, a obsessão em se tornar uma versão melhor de si mesmo e se impor padrões externos de sucesso está deixando as pessoas excessivamente autocríticas e decepcionadas. E exaustas de carregar a importância que atribuem a si próprias.

"Raramente passa um dia sem que pelo menos um paciente se lamente ou se repreenda por ter ficado aquém de uma meta ou padrão exigente que havia estabelecido para si mesmo", diz o psicanalista. "A autoflagelação é ampliada pela crença de que outra pessoa que eles conhecem –um colega, irmão ou amigo– teria, em seu lugar, reunido o esforço ou astúcia necessários para ter sucesso."

Se o indivíduo se estipula metas altas demais, as conquistas que obtém se tornam fracassos. O valor que se atribui varia de acordo com parâmetros externos: convites para eventos acadêmicos, likes no Instagram, medalhas esportivas ou profissionais. Em nome do objetivo de melhorar, ele exerce sobre si próprio uma constante vigilância e julgamento.

Não se trata, é claro, de recusar qualquer objetivo de aperfeiçoamento, mas evitar que as metas afetem a saúde mental e a capacidade de desfrutar espontaneamente a convivência e os pequenos prazeres do dia a dia.

É interessante tentar imaginar a vida antes dessa obsessão moderna com a perfectibilidade. Na visão medieval, o homem era essencialmente imperfeito e condenado: pureza e perfeição eram coisas de santos, não de gente normal. É por isso que, apesar da religiosidade da Idade Média, o rigor da conduta não era tão levado a sério.

Só a partir da Reforma Protestante ganhou força o ideal da pureza cotidiana, a disciplina, a ordenação dos desejos. O puritanismo se tornou um modo de vida de gente comum.

Foi Rousseau, que nasceu e cresceu na Genebra calvinista, quem popularizou a "perfectibilidade" –a ideia de que podemos criar sociedades ou indivíduos perfeitos.

A obsessão moderna com utopias sociais desaguou hoje em utopias individuais. Se antes sacrificava-se a vida em nome de sociedades perfeitas, hoje recusa-se a realidade em nome de projetos de uma vida sem falhas, sem obrigações chatas ou emoções desagradáveis.

Muita gente, tão acostumada a cumprir resoluções de melhoramento, confunde a própria vida adulta com a tentativa constante de bater metas. O psicanalista Josh Cohen inverte esse pensamento: ser adulto é abandonar o objetivo de autossuperação. "A vida começa quando desistimos de ser uma versão melhor de nós mesmos", diz.

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