Siga a folha

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

Descrição de chapéu Folha, 100

O autocrata das urnas é o desafio nos 100 anos da Folha

Ataque sistemático a empresas e indivíduos é a primeira frente da guerra para derrotar a primazia dos fatos

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Nos 100 anos que completa nesta sexta-feira (19), a Folha resistiu a todo tipo de obstáculo ao jornalismo independente. Como boa parte da mídia brasileira, o jornal enfrenta o momento de maior risco à liberdade de imprensa desde o final da nossa ditadura mais recente, em 1985.

A censura hoje dispensa homens de uniforme verde oliva, assim, como os golpes desfechados contra a democracia contemporânea podem dispensar tanques. É também uma censura mais insidiosa, graças à revolução digital e à descentralização das fontes de informação.

Em todo mundo, vimos o aumento do número de autocratas instalados no poder pelas urnas em eleições legítimas –Bolsonaro, Trump– ou fraudulentas –Erdogan, Putin.

Jair Bolsonaro durante entrevista coletiva no Palácio do Planalto, em Brasília - Lucio Tavora - 9.fev.21/Xinhua

Os autocratas das urnas têm em comum, além de má governança, uma agenda clara. Sua estratégia é aumentar o custo do exercício do jornalismo. O ataque sistemático a empresas e indivíduos, como a nossa premiada Patrícia Campos Mello, é a primeira frente da guerra para derrotar a primazia dos fatos como a praça pública que todos compartilham.

Transformar repórteres em notícia é uma tática eficaz para dificultar a cobertura sólida de notícias. Mas está longe de ser original. Afinal, variações da expressão “atirar no mensageiro” são usadas desde a Antiguidade, quando as más notícias não chegavam por WhatsApp e sim pelo portador que arriscava provocar a ira de monarcas e generais no campo de batalha.

O jornalista é um alvo fácil e unificador. O autocrata que não consegue controlar uma pandemia tem tudo a ganhar lançando constantes cortinas de fumaça e apontando para o mensageiro. Só numa sociedade que perde a confiança em fatos científicos médicos prescrevem cloroquina para coronavírus sem que sejam cassados por conselhos de medicina.

A liberdade que é o oxigênio do jornalismo é oposta à liberdade que o autocrata busca. Para se manter impune no poder, ele precisa se libertar de fatos e convencer seus apoiadores de que é vítima de quem insiste em contraria-lo.

Em 2002, pouco antes de mentir para o mundo justificando a catastrófica invasão do Iraque, o governo de George Bush filho ofereceu uma prévia da pós-verdade contemporânea.


Um assessor do ex-presidente disse, então, ao repórter Ron Suskind que profissionais como ele eram “gente da comunidade baseada na realidade”. Perplexo, Suskind murmurou algo como uma defesa do iluminismo e o assessor disparou: “O mundo não funciona mais assim. Quando agimos, criamos a nossa própria realidade”.

Foi preciso um decadente anfitrião de reality show chegar à Casa Branca e depois ser imitado por um decadente ex-capitão para termos a medida do risco que sofremos, dentro ou fora da centenária Folha.

No começo do mandato de Donald Trump, conversei com o historiador Timothy Snyder, autor do livro-manifesto "Contra a Tirania". Perguntei a ele se a imprensa americana era menos imune ao impulso autoritário do novo presidente.

Snyder respondeu que sim. No Brasil, ele argumentou, vocês têm a memória mais fresca do autoritarismo. A Folha inicia seu segundo século sob o desafio constante de desmentir as palavras ouvidas pelo repórter Ron Suskind. Mas, talvez, com a vantagem dos anticorpos da memória do que já enfrentou.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas