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Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

Sem humor nem informação, 'A Magia da Arrumação com Marie Kondo' é narcoléptico

Série com a expert japonesa causa a mesma empatia do que um prato frio de chuchu

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Só há sadismo ou masoquismo em assistir "A Magia da Arrumação com Marie Kondo", a fadinha japonesa das gavetas e armários impecáveis, cujo livro, que ensina a se livrar de tranqueiras e organizar pertences, converteu legiões.

Sadismo porque os casos enquadrados na série da Netflix, que perdura por espantosos oito episódios, vão de gente que não arruma a própria cama a acumuladores contumazes, do tipo que produz 150 sacos grandes de lixo para descarte em uma arrumação.

Masoquismo porque acreditar que há drama em a gaveta estar desordenada ou o armário entulhado de tralhas é, como entretenimento, enfadonho. Ver gente chorando diante de camisetas dobradas e casais que se reconciliam sob as platitudes de Kondo causa a mesma empatia do que um prato frio de chuchu.

Nada contra programas que ensinam as pessoas a recuperarem a autoestima, trabalharem a própria imagem e levarem uma vida mais funcional. A primeira edição de "Queer Eye for the Straight Guy" fazia isso com graça. Programas na linha de "Esquadrão da Moda" e os que reformam casas têm um efeito sapo/príncipe que funciona desde as fábulas.

A expert japonesa Marie Kondo em 'A Magia da Arrumação' - Divulgação

O problema é que o clima feérico da série, com uma apresentadora saltitante diante de caixas e closets bagunçados, é irritante. Os conselhos, quando úteis, podem ser transmitidos com menos sofrimento em seus livros, o primeiro dos quais vendeu 8,5 milhões de exemplares em 40 línguas.

Os personagens, cujos problemas se resumem a um consumismo excessivo e à incapacidade de tomar as rédeas da própria vida, são anódinos.

O espectador até poderia ganhar se a série entrasse nos porquês de tanta desordem —e de tanto consumo. Mas a intenção é apenas ser mais um veículo para promover o tal método KonMari, que consiste em jogar fora tudo que não dá alegria ao dono.

É difícil crer que "A Magia da Arrumação" faria tanto sucesso fora dos EUA, cuja cultura preza a aquisição de bens logo descartados e onde fazer compras é visto como divertimento —hábito, aliás, imitado pelo resto do continente.

Locais que recebem doações estão abarrotados de descartes resultantes de espectadores entusiasmados, relatam jornais americanos.

O país tem cadeias de lojas especializadas em tralha para organizar mais tralha.

Não deixa de ser resultado de uma sociedade infantilizada, na qual parte das pessoas carece de manuais de instruções ou gurus sorridentes que lhes indique o que fazer com a própria casa, carreira, família.

O diagnóstico é óbvio desde os primeiros minutos do episódio inicial, com um casal com filhos pequenos cujo grande problema é a arrumação (há aposentados acumuladores, pós-adolescentes querendo atestar que cresceram e uma viúva às voltas com os pertences do marido, o único personagem verossímil).

Sem esforço narrativo para adentrar os problemas das pessoas nem informações jornalísticas que tratem da produção de lixo e do consumo no mundo, o programa é tão excitante quanto assistir a uma máquina de lavar roupas.

“A Magia da Arrumação” está disponível na Netflix

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