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Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

Em nome do pai, do filho e do genro

O nepotismo é da tradição brasileira e está na alma de Bolsonaro

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A cena política mostra que a devoção à família ainda explica a ascensão ao poder.

Expoentes da geração de políticos nascidos em 1979, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), filho de Jader Barbalho, e o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), herdeiro de Antônio Carlos Magalhães, foram, aos 23 anos de idade, campeões de voto em 2002. Renan Filho (MDB), governador de Alagoas, é filho de Renan Calheiros. Bruno Covas (PSDB), prefeito de São Paulo, é neto de Mario Covas.

Nas eleições de 2018, Eduardo Bolsonaro (PSL), filho do presidente da República, recebeu, por conta do pai, mais de 1,8 milhão de votos em São Paulo. Seu irmão Flávio (PSL) chegou ao Senado pelo Rio de Janeiro. João Campos (PSB), filho de Eduardo Campos, é o parlamentar mais votado de Pernambuco.
Anthony Garotinho e Rosinha (sempre ligados a alguma pendência policial) têm dois filhos na Câmara dos Deputados, Clarissa (Pros) e Wladimir (PSD). O deputado Zeca Dirceu (PT) é filho de José Dirceu.

Em matéria eleitoral, o usufruto da herança familiar faz parte dos costumes e das regras do jogo, seja pela comoção decorrente da morte inesperada do patriarca, seja pela formação de descarado curral eleitoral, seja pelo frio e calculista planejamento sucessório. Aparentemente, a população não se ofende com a tradição arcaica, pois o sucesso do herdeiro depende de vocação e desempenho.

A Constituição faz apenas a ressalva da inelegibilidade reflexa, quando o cônjuge e os parentes dos governantes, para evitar o abuso de poder político, ficam temporariamente impedidos de se candidatarem. De resto, tudo é possível.

É na esfera administrativa que o nepotismo corrompe a governança: os vínculos de parentesco prevalecem em relação ao mérito nas relações de trabalho.

A nomeação de familiares para cargos públicos de confiança e funções políticas é também tradicional. A biografia produzida pelo Centro de Pesquisa e Documentação Contemporânea (CPDoc) da Fundação Getulio Vargas lembra que, para governar São Paulo (1983-1987), André Franco Montoro, figura austera e simpática, importante na redemocratização brasileira, formou um “secretariado com políticos e técnicos de expressão” e “três de seus sete filhos”.

Os tempos mudaram e a Constituição de 1988 estabeleceu fórmulas rígidas de gestão do Estado —ainda que, por exemplo, o nepotismo cruzado (“você cuida do meu, eu cuido do seu”) seja capaz de burlar mecanismos de controle.

Conforme levantamento do jornal O Globo, desde 1991, o conjunto de parlamentares (o pai e os três filhos) que forma o núcleo duro dos Bolsonaros nomeou 102 pessoas com laços familiares entre si ou parentes, existindo indícios de que várias delas não trabalhavam de fato: o nepotismo na alma.

Além do perfil provinciano e quase mafioso, a vulgaridade verbal de Jair Bolsonaro sintetiza, sem a autocensura presente em despachos judiciais permissivos do favorecimento à parentela, um sentimento que ainda se espraia socialmente: “pretendo beneficiar filho meu, sim”, “se puder dar filé mignon, eu dou”, balbucia o presidente da República sobre a nomeação de Eduardo Bolsonaro para a Embaixada do Brasil em Washington. Se a escolha é reprovada por 70% da população, segundo o Datafolha, já é recebida com naturalidade por juristas do Distrito Federal.

Na visão primitiva de Bolsonaro, assim como de parte de seu cativo eleitorado, é sua vez de mandar. Eleito, acreditam, ele tudo pode. Inclusive “levantar a borduna”.

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