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Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

Destruir a sanidade dos jovens é hoje em dia um mercado lucrativo

Atualmente até os bebês devem ser empreendedores de si mesmos e estar ligados a causas

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Imagine uma propaganda em que aparece uma mulher grávida abraçando sua barriga diante de uma floresta e uma frase embaixo, como se fosse ela dizendo mais ou menos o seguinte para seu bebê ainda no útero: “salvar nosso planeta será a missão”. Abaixo, está escrito “generation one”.

Não importa de quem é a propaganda, mas ela aparece em uma das revistas internacionais de maior reconhecimento. O que quer dizer um comercial como esse? Antes de tudo, ele quer dizer que estamos ferrados —para não usar nenhum termo que ofenda a sensibilidade dos falsos revolucionários de plantão.

Ilustração de Ricardo Cammarota para coluna de Pondé de 27.set.2021 - Ricardo Cammarota

A rigor, não há nada de novo na ideia, apenas uma radicalização —há anos estamos num projeto de destruição da saúde mental dos mais jovens dizendo justamente o contrário, que eles são lindos e mais evoluídos. Às vezes, ouço por aí frases desse tipo, ditas por pessoas que se acham a prova pura de que a humanidade evolui na mesma medida em que ela lê algo de idiota na sua bolha das redes sociais.

Na prática, desde os tais millennials, esses coitados que começam a acordar para o prejuízo da fé em si mesmos, os pais, as escolas, as universidades, o marketing, a espiritualidade, todos, em uníssono, trabalham para destruir a saúde mental dos mais jovens.

E nada vai mudar, porque essa destruição é um mercado bastante lucrativo e em crescimento. Mas, quando isso acontece em casa, aí começam a chorar as pitangas e se voltam para o próprio mercado da contenção de danos —e não tem muito o que fazer mesmo.

Mas, voltemos por um minuto aos millennials. Muitos deles começam a culpar a falta de esperança que os contamina agora —como se, para ser adulto, alguém devesse necessariamente ter esperança no mundo. A vida nunca foi “fun”. Essa ideia absurda é fruto do mesmo capitalismo que essa geração agora jura odiar.

Verdade que o tal capitalismo está mais violento do que nunca, mas são os próprios jovens e seus algozes queridos que emplacam ideias como capitalismo consciente, empresas inclusivas, marketing de causa e outros fetiches que a esquerda de butique adora pôr no seu portfólio.

Voltando à nossa propaganda disruptiva, ela radicaliza um processo que lhe é anterior, porque a personagem grávida já entrega uma tarefa a alguém que não nasceu. A coitada da Greta já é uma velha se comparada à missão do embrião da publicidade.

Os jovens obrigatoriamente devem ser corretos em tudo, eficazes em tudo, equilibrados em tudo, informados em tudo, atentos a tudo, saudáveis em tudo, produtivos em tudo, felizes sempre. O resultado disso é a doença mental, que recebe apelidos fofos e técnicos para não ferir a sensibilidade do marketing de nicho.

Nem os embriões estão a salvo. Todo mundo sabe disso, mas vamos continuar mentindo, pois mentir agrega valor —e o resto que se dane.

Mas, ampliemos o argumento para, talvez, aprofundar a percepção do sintoma. O paradigma do empreendedorismo como obsessão justifica tudo. Sim, até os bebês devem ser empreendedores de si mesmos e ligados a causas. Quando atribuímos missões para os mais jovens estamos condenando essas pessoas a perseguir o sucesso desde sempre.

O empreendedor como modelo de vida é, na maioria das vezes, um coitado. É aqui que chegamos ao empreendedorismo como patologia.

Tudo bem você gostar de empreender nos negócios. Ainda bem que tem gente que curte isso, tem grana e disposição. É verdade que muita gente depois dos 45 anos é obrigada a virar empreendedor de geleia natural ou comida vegana porque foi cuspida da mesma empresa que posa de inclusiva, mas só tem funcionários de 30 anos.

É verdade também que hoje, com o capitalismo de plataforma, todo mundo que está com dois anos de idade terá que virar algum tipo de influencer de bobagens em algum momento.

Mas quem disse que, se algo é verdade, ele também é bonito em sua totalidade? Aqui entra em cena a mentira do marketing como imperativo categórico —você será empreendedor como estilo de vida. Adorará nunca repousar, pois isso é para os fracos. E, quando tiver dúvida, é só baixar um aplicativo de educação financeira.

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