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Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

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Não existe solução para a sensação de incerteza e desorientação moderna

A pluralidade de valores aniquilou a ilusão de que haja, como se diz em filosofia moral, 'o bem' buscado de forma unívoca

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As eleições de 2022 nunca vão acabar. O Brasil viverá em agonia política de forma permanente, inclusive com a religião entrando na luta pelo espaço político, como a Europa viveu séculos atrás. Religião e ódio sempre foram parceiros na história. Mesmo que esse ódio seja um ódio bem-intencionado.

As eleições, cada vez mais, serão como gladiadores numa arena se matando, enquanto o povo berra à sua volta.

Não vou falar de política hoje. Quero chamar a atenção para uma ideia de um filósofo húngaro-americano, John Kekes, no seu livro "Wisdom" (sabedoria), sem tradução no Brasil. Para pensar a política hoje, e tudo mais, faz-se necessário que reconheçamos as condições que a modernidade nos impõe. Quais são essas condições da modernidade?

Ilustração de Ricardo Cammarota para coluna de Luiz Felipe Pondé - Ricardo Cammarota


A modernidade, cantada em prosa e em verso, é um período histórico —grosso modo, os últimos 300 anos— marcado por uma utopia da vida racional e científica, da gestão política e social dos problemas do mundo, da tentativa de superação das clivagens religiosas dentro do corpo social, da aceleração do tempo nas relações cotidianas devido ao capitalismo e à Revolução Industrial, do domínio da agenda econômica sobre as outras realidades da vida, da crença de que somos indivíduos fazendo escolhas, da saturação da informação nos meios de comunicação —conhecido como "mídias".

Existem também rupturas estéticas que impactam uma elite de ilustrados. Essas rupturas estéticas só aumentam em impacto quando passam à moda, ao design industrial e ao consumo.

Falar de condições da modernidade é apontar como ela condiciona nossa vida. Nossa vida moderna se dá dentro de parâmetros —ou condições— como os descritos acima. Ninguém escapa desses parâmetros. Você pode se dar melhor ou pior dentro do jogo determinado por essas regras, parâmetros ou condições.

Mas há outras. A modernidade gerou uma enorme incerteza na vida. Gerou também uma enorme pluralidade de valores —não gosto muito dessa expressão "valores", que é quase tão vazia quanto "energia", mas vá lá. A pluralidade de valores morais significa que existem tantos valores positivos e negativos quanto os atores sociais quiserem.

Quase um bazar de valores. Valor hoje é coisa de branding e marketing, logo, de consumo. A modernidade também gerou uma utopia de que a vida iria progredir de forma plena —o que não aconteceu, afora os avanços tecnocientíficos e de gestão que geraram contradições éticas e políticas enormes. A tal "ambivalência" de Zygmunt Bauman (1925-2017).

A pluralidade de valores aniquilou por completo a ilusão de que exista, como se diz em filosofia moral, "o bem" a ser buscado de forma unívoca. "Ética", ainda que tenha se transformado num hit de vendas no mundo corporativo, está quase lá, em vacuidade, junto com "energia" e "valores".

Dizer ética hoje é quase dizer nada. Ou é dizer "compliance", que significa evitar passivos trabalhistas de conduta dos colaboradores que atrapalham, por consequência, os negócios e o branding das empresas —e blábláblá.


A pluralidade de valores associada à incerteza —ninguém sabe para onde vai a política, o mercado, a educação, a ciência, as mídias, todos atravessados por essa tal pluralidade— gera um mal-estar específico que nos condiciona de modo disruptivo —isto é, a utopia moderna não se realizou. Esse condicionamento é ansiogênico, o que é bom negócio para o mercado da saúde mental. Gera contencioso, o que é bom
para os advogados e os juízes.

Não existe solução para sensação de incerteza moderna. Quem disser o contrário mente. A revista Foreign Affairs, na sua edição de setembro e outubro, trata da "era da incerteza" em geopolítica.

Suspeito de que a modernidade seja um surto psicótico do Homo sapiens que sempre foi monstruosamente contido pelo meio à sua volta e que agora atingiu um nível de potência ativa nunca visto antes. Somos um trem desgovernado em aceleração crescente, se deslocando em direção ao nada, como me disse certa feita o filósofo alemão Peter Sloterdijk, em sua casa, enquanto fumávamos charutos.

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