Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.
Rigor de Flexner ao avaliar cursos levou medicina americana ao topo
Autor se tornou persona non grata na comunidade dos educadores, mas mudou ensino nos EUA
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Escrevi há um mês sobre o livro “A utilidade do conhecimento inútil”, do norte-americano Abraham Flexner. O autor merece que falemos mais dele. Flexner nasceu em Louisville, Kentucky, em 1866. Na época, o ensino no sul dos Estados Unidos era muito ruim, mas ele se autoeducou na biblioteca local. Dessa forma, conseguiu acesso à Universidade Johns Hopkins, então recém-criada e que se tornaria a primeira universidade de alto nível científico no país, com cursos de doutoramento no sentido moderno.
Após a graduação, Flexner voltou ao Kentucky para ser professor. Ao final do primeiro ano, insatisfeito com o desempenho, reprovou a turma inteira. Protestos dos pais levaram a um inquérito: após ouvir os fatos, a direção da escola validou a decisão de Flexner.
Seu trabalho como docente acabou quando Flexner decidiu fazer mestrado. O tema foi a análise do sistema educacional do seu país. A conclusão, uma crítica devastadora, tornou Flexner persona non grata na comunidade dos educadores, mas também atraiu a atenção da Fundação Carnegie para o Avanço da Educação, que lhe encomendou um estudo sobre o ensino de medicina.
No início do século 20, a grande maioria das faculdades norte-americanas de medicina funcionava como certos cursos de moda, serviço social, estética e outros tópicos nos nossos dias: pegavam o dinheiro dos alunos, davam um par de aulas, e outorgavam um lindo diploma. Só em Chicago eram 14.
Flexner fez cursos rápidos de medicina na Johns Hopkins e no Rockefeller Institute e partiu para visitar todas as 155 faculdades de medicina dos Estados Unidos e Canadá. Muitas vezes teve que apelar para a astúcia. Numa faculdade em Des Moines, Iowa, todos os laboratórios – marcados Anatomia, Patologia, Fisiologia etc –estavam trancados e não foi possível encontrar o zelador.
Flexner declarou-se satisfeito, agradeceu e foi para a estação. Só que no lugar de pegar o trem, voltou à faculdade sozinho, encontrou o zelador e –mediante uma “doação” de 5 dólares– convenceu-o a abrir os laboratórios. Todos tinham o mesmo equipamento: lousa, mesa e algumas cadeiras...
O “Relatório Flexner” foi impiedoso: a esmagadora maioria das faculdades, e as leis e autoridades que permitiam sua existência, eram “uma desgraça para a causa da medicina”. A publicação trouxe processos judiciais e ameaças de morte, mas Flexner venceu: as faculdades fajutas fecharam (em Chicago só sobraram 3), e a América do Norte partiu para conquistar a liderança na área que detém até hoje.
Já pensou se essa moda –avaliar, apoiar o que é bom e fechar o que não presta– pega no Brasil?
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