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Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

Emendas parlamentares, relembrando o passado

O mínimo de seriedade exigiria emendas de relator igual a zero no Orçamento de 2022

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Não será fácil executar o Orçamento de 2022 dentro do teto de gastos. A alta do INPC, índice que corrige as despesas com benefícios previdenciários e assistenciais, associada a despesas judiciais muito superiores ao padrão histórico, colocará uma sobrecarga de R$ 50 bilhões na despesa.

Inexiste espaço para a criação de novos gastos. Mas o Congresso e articuladores políticos do Executivo dão de ombros e consideram como certas as emendas de relator.

Em 2021, uma conflituosa tramitação do Orçamento resultou em emenda totais (relator, individuais e de bancada) no valor de R$ 34 bilhões. É muito dinheiro em um Orçamento em que os recursos de livre alocação não chegam a R$ 100 bilhões.

O presidente da República, Jair Bolsonaro, e o presidente da Câmara, Arthur Lira - Adriano Machado - 9.ago.2021/Reuters

Existe uma narrativa de que é natural apresentar emendas. Afinal, elas mandam recursos para os municípios, e “as pessoas vivem nos municípios”, de modo que o dinheiro público tem que chegar lá, para se transformar em serviços úteis à população.

É uma platitude sem sentido. O Brasil é uma Federação e, de acordo com a boa teoria do federalismo fiscal, cada nível de governo deve se especializar nos serviços públicos para os quais tem maior vantagem comparativa.

Assim, por exemplo, o ensino fundamental, para os quais há muitos alunos em todos os municípios, deve ser descentralizado. Já o ensino médio fica melhor no nível estadual, pois muitos municípios pequenos não têm alunos suficientes para justificar a construção e a manutenção de escolas para esse nível de ensino. O mesmo se dá na saúde: postos de saúde nos municípios, hospitais de maior porte nos estados.

À União cabem funções de âmbito nacional, como investimentos de infraestrutura de grande porte ou a coordenação e financiamento de prestação integrada de serviços, como no SUS.

Não existe, portanto, o mundo onírico no qual os serviços à população são prestados exclusivamente nos municípios e, por isso, recursos teriam que ser a eles entregues via emendas.

Existe uma narrativa de que é natural apresentar emendas. Afinal, elas mandam recursos para os municípios, e “as pessoas vivem nos municípios”, de modo que o dinheiro público tem que chegar lá, para se transformar em serviços úteis à população.

É uma platitude sem sentido. O Brasil é uma Federação e, de acordo com a boa teoria do federalismo fiscal, cada nível de governo deve se especializar nos serviços públicos para os quais tem maior vantagem comparativa.

Assim, por exemplo, o ensino fundamental, para os quais há muitos alunos em todos os municípios, deve ser descentralizado. Já o ensino médio fica melhor no nível estadual, pois muitos municípios pequenos não têm alunos suficientes para justificar a construção e a manutenção de escolas para esse nível de ensino. O mesmo se dá na saúde: postos de saúde nos municípios, hospitais de maior porte nos estados.

À União cabem funções de âmbito nacional, como investimentos de infraestrutura de grande porte ou a coordenação e financiamento de prestação integrada de serviços, como no SUS.

Não existe, portanto, o mundo onírico no qual os serviços à população são prestados exclusivamente nos municípios e, por isso, recursos teriam que ser a eles entregues via emendas.

Um argumento similar é que a União seria excessivamente concentradora de recursos, e as emendas teriam a missão de corrigir essa distorção. Também não é correto. Já mostrei neste espaço que o Brasil tem uma das Federações que mais descentralizam recursos no mundo, seja pela ampla competência tributária conferida a estados e municípios, seja pelas generosas partilhas de recursos via Fundos de Participação (FPE e FPM) e outras transferências.

Mesmo assim, se esse fosse o problema, a solução não estaria nas emendas parlamentares, e sim no aumento das competências tributárias de estados e municípios ou das partilhas de tributos federais.

A real motivação das emendas é colocar dinheiro público na mão dos congressistas, conferindo-lhes vantagem competitiva nas eleições em relação àqueles que não têm mandato. Viciam a competição eleitoral em favor de caciques que perpetuam suas dinastias no poder local.

Elas geram gasto de baixa qualidade, com pulverização de recursos em despesas miúdas, que deveriam ser usados em ações típicas da União.

Podem facilmente descambar para a corrupção. Sempre é bom lembrar os eventos do passado, que mostraram à sociedade o barro com o qual são esculpidas as emendas. Em 1993, o escândalo dos anões do Orçamento mostrou dois esquemas de desvio de emendas: no primeiro, empreiteiras pagavam propinas a parlamentares para direcionar recursos a suas obras; no segundo, emendas eram direcionadas para entidades filantrópicas de fachada e o dinheiro acabava parando no bolso de quem as apresentou.

Em 2006, a Operação Sanguessuga, da Polícia Federal, mostrou que parlamentares faziam emendas para a compra de ambulâncias em favor dos municípios, enquanto uma empresa com conexão corrupta no Ministério da Saúde viabilizava uma concorrência fraudulenta. Os veículos eram comprados por valores superfaturados.

Corremos o risco de reincidir nessa prática, em um momento em que o país está empobrecido pela maior recessão da história, seguida de uma pandemia devastadora. O mínimo de seriedade exigiria emendas de relator igual a zero no Orçamento de 2022.

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