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Psicanalista e ensaísta, com pós-graduação pela Universidade de Paris 8 e FFLCH/USP. Autora de "Lupa da Alma" e "Coisa de Menina?".

Descrição de chapéu machismo

Homem que apanha

Tem ainda um tipo curioso: o que apanha mas finge que bate

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Um antigo ditado dizia: o homem pode não saber por que bate, mas a mulher sempre sabe por que apanha. Claro, infame e machista. Apoiado no mito de Eva, a mulher pecadora a priori. E assim séculos e séculos de violência e tudo o que sabemos.

Mas o mundo mudou. Porque agora homem também gosta de apanhar, capitular, ser corno, manipulado, se prostituir e tudo o mais que está na moda.

Tem o homem que é tão dependente daquele casamento que se engana dizendo: vai passar. Foi só uma pequena tempestade, tudo está "funcionando normalmente". Em nome da Família, de Deus e demais causas em estilo maiúsculo, ele sempre aguenta mais um pouco. Afinal, ela é só desajeitada, meio bruta, se excedeu. Mas é autêntica -e no fundo me ama. Ele precisa aguentar até os filhos crescerem. É preciso garantir o leite das crianças, e também o próprio futuro. E assim vamos. Mais uma década apanhando. Com sorte, só mais um ano. Para ele ter tempo de achar outra, quem sabe uma melhor.

Campanha permite que mulheres vítimas de abusos, ameaças e agressões denunciem os infratores e peçam ajuda por meio de um “x” vermelho desenhado na palma da mão - Divulgação

E nada de criar caso. Porque tem também o tipo que morre de medo de ser visto, justamente, como o cara que apanha e ainda fica de mimimi. Macula a imagem. Afinal, mais uma separação, logo depois da outra? O que os outros vão achar? A família, os amigos, os vizinhos... E a comunidade internacional então? Não dá pra trabalhar (mesmo lucrando bem) na casa da mãe Joana. Essa história de instabilidade começa a pegar mal, ao menos desde o século 17. O aparato jurídico estável não é a base do capitalismo global? Então, o negócio é seguir em frente. Meio desagradável, mas vale a pena. Claro, engole em seco e toma um golinho de prosecco, que ninguém é de ferro.

Tem o cara que apanha tanto que nem consegue esconder. Já começa a sair na coluna social. Ou a ter boneco na rua com a cara dele. Não tem problema. O bom desse tipo é que ele aguenta tudo (foi contratado justamente por isso). “Por enquanto”, vamos deixar bem claro. É bom sinalizar pra mulher que o jogo nunca está ganho e você sempre pode “largar o barco”. A arte dele é o timing, saber o momento preciso de entrar e de sair do pacto. Vamos receber a mesada do próximo ano, mudar umas regras e usufruir bem: tem lugares lindos a conquistar. Ele tem o faro de escolher a próxima mulher a cortejar mas ainda não vislumbra com quais forças deve se aliar. Afinal, não está claro quem, no final, vai de fato vencer o jogo que começou há uma meia dúzia de anos.

Esse tipo só casa com mulher rica e poderosa, não tem essa complicação de amar. Já pensou ter que pensar se gosta ou não gosta do que a mulher faz? Se admira, se está de acordo? Imagina, que trabalheira. Mais prático escolher o dinheiro acima de tudo. Um valor simples e unidimensional. Escolher ideias, projetos, formas de fazer? Complicado demais. E esse papo de “estar do lado certo da história”? Bobagem. Ainda mais hoje, em que time is money.

Tem ainda um tipo curioso: o que apanha mas finge que bate. Ele fica discutindo a relação, para mostrar que tem força. Veja bem, querida, assim não dá, tudo tem um limite. Ele fica em DRs intermináveis. Apanha feio e fica soltando “notas de repúdio” (nisso ele combina com o tipo que faz “manifesto”). Quem sabe com o verbo certo, o advérbio perfeito, ela entende que não pode bater.

E uma nova ideia: chamar um ajudante para a orquestração das “forças todas”, que conhece como ninguém os porões do navio e ainda escreve direito (pelo menos sabe usá-los, os pronomes).

O problema é que é arriscado brincar com a Força. A gente sempre subestima e acha que a tem sob domínio. Que pode continuar apanhando mais um pouco porque, afinal, vai passar. E um dia será tudo tão gostoso.

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