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Carlos Bezerra Jr.

A(r)mai-vos uns aos outros?

Nenhuma forma de violência é ancorada nos ensinamentos de Cristo

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Carlos Bezerra Jr.

Médico, é secretário municipal de Assistência Social e Desenvolvimento Social de São Paulo

A quem interessa generalizar sobre os evangélicos? A pergunta vai muito além de um fato, de uma circunstância, de algo pontual na história dos evangélicos no Brasil. O que estamos assistindo cotidianamente, e há décadas, é a um cabo de guerra entre os evangélicos que dominam a mídia e um grupo menos ruidoso, sem holofotes e microfones.

Antes mesmo de falarmos do nosso país, vamos lembrar a atuação dos evangélicos no mundo. O pastor batista Martin Luther King envolveu uma nação inteira e inspirou lutas em outras em favor dos direitos civis dos negros. Em 3 de abril de 1968, um dia antes de seu assassinato, seu último sermão, público e profético, em Memphis (EUA), foi “Eu Estive no Topo da Montanha” —mas, nessa mesma cidade, existiam outras igrejas, inclusive pentecostais, que eram segregacionistas.

Outros grandes nomes da história para os evangélicos são Desmond Tutu, também Nobel da Paz e um dos mais conhecidos ativistas dos direitos humanos da África do Sul, e Dietrich Bonhoeffer, pastor luterano que entrou para a história como um líder religioso que fazia resistência ao regime nazista e, por isso mesmo, foi executado.

Essas posturas também revelaram cisão e divergências da igreja que remontam à Reforma Protestante, no século 16. Assim continuamos até os dias de hoje, mas, historicamente, os evangélicos têm uma trajetória de luta contra os regimes autoritários, como o nazismo alemão e a ditadura militar no Brasil, contra a segregação racial e de combate à escravidão. Não são somente lutas, mas imperativos de nossa fé.

Por isso, se faz tão necessário “colocar os pingos nos is” quando falamos de evangélicos no Brasil, sobretudo os que mais têm acesso aos meios de comunicação e que se arvoram de porta-vozes dos evangélicos.

grupos evangélicos defendendo o fim da democracia, não economizando ofensas e reiterando posturas que podem desembocar em um Brasil convulsionado, à beira de uma guerra civil. Evangélicos sempre foram e ainda são bibliocêntricos —ou seja, toda conduta precisa ser confrontada com o texto bíblico.

Portanto, é impossível legitimar, sob a perspectiva bíblica, posturas de violência, linguagem chula, ridicularização de pessoas, insultos e propagação de mentiras que caracterizam o comportamento, inclusive, daqueles que afrontam a liturgia dos cargos que ocupam. Ou seja, nem política, nem institucional ou biblicamente, há justificativas.

Temos grupos evangélicos contra a vacina, a favor de negacionismos e querendo um povo armado. Cada grupo tem suas marcas, cada época tem seus valores, mas os evangélicos não mudaram tanto a ponto de serem conhecidos como defensores de armas. Aliás, o texto do Evangelho, se retirado de seu contexto, é um pretexto para qualquer coisa que se queira defender.

Nenhuma forma de violência é ancorada nos ensinamentos de Cristo. A recomendação de Jesus é “amai-vos uns aos outros”, mas alguns evangélicos estão lendo “armai-vos uns aos outros!” Que milhares de evangélicos anônimos que se colocam contra o uso da Bíblia para defender um governo, um partido político ou uma ideologia possam ser ouvidos, e que essas vozes juntas sejam capazes de abafar a meia dúzia ruidosa de microfone na mão.

Definitivamente, essa tentativa de misturar fé com ideologia nada tem a ver com a mensagem do rabino marginal de Nazaré, mas com aqueles que o mataram. Segui-lo implica ter lado nessa história; aliás, sempre muito bem marcado ao longo dos séculos: amparar os que sofrem e confrontar os que oprimem.

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