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Psicanalista e ensaísta, com pós-graduação pela Universidade de Paris 8 e FFLCH/USP. Autora de "Lupa da Alma" e "Coisa de Menina?".

Descrição de chapéu Mente

Aspirantes a reis e rainhas

Postulantes a rei trocam dicas de como limpar a casa, melar as instâncias de controle, circular as informações corretas e esconder as secretas

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Ele queria ser rei. Estar no topo do mundo. No lugar mais alto da cidade, e sobre toda a cidade. Sobre todas as pessoas da cidade. A lei que valia lá embaixo —e que podia ser muito dura— não valia para ele lá em cima.

Ele tinha na parede a imagem do faraó do Egito, que, tempos atrás, não mais que um par de milênios, podia andar com uma adaga na cintura e cortar a cabeça daqueles que estivessem lhe enchendo muito a paciência. O nome disso: direito de vida e morte sobre os súditos.

Também podia mandar matar. Podia ser um a um, caía um aqui, outro acolá, e assim vamos caminhando, aos tropeços. Às vezes mandava os soldados irem lá e matar. Algumas dessas vezes, de dentro. Outras, de fora. Esse —matar— era um ritual muito antigo, e algumas pessoas ainda estavam bem apegadas a essa ideia.

Acontecia de vez em quando outra coisa: se juntar em volta da fogueira e narrar um mito antigo. Com rei, rainha, príncipe e princesa. E vilão e bruxa, com muita disputa. Eram fábulas pra gente dormir melhor. Antes da guerra, a canção de apaziguamento. Todo o mal está lá fora e vamos derrotá-lo. Se ele estiver aqui dentro, não tem problema. O importante é cantar que o mal está lá fora.

É muito gostoso dormir num lugar tranquilo. Se entregar e poder pregar o olho. Por isso os reis precisam ficar relembrando a história: o palácio, antes, estava infestado pelos demônios. E o Mal foi vencido. O enviado está limpando tudo, faxina completa, com vassoura, rodo, balde, água e sabão. Mas a batalha é dura e você precisa ajudar, senão ele volta.

Os aspirantes a rei formam hoje um clube e trocam dicas de como fazer essa limpeza, como aumentar o tamanho da casa, melar as instâncias de controle, circular as informações corretas e esconder as secretas.

Rei é quase sempre a mesma coisa, gosta de mandar sozinho. Mas cada rainha é rainha a seu modo.

Tem aquela que é porta-voz do rei. Ela louva as suas virtudes. E mostra a lista dos pecados dos outros. Ao propagar a voz, faz propaganda. Do seu rei e, de fato, de si mesma, da sua linhagem.

Tem rainha que fala, fala, fala. E assim ajuda o rei a criar coragem para a ação. Uma das mais famosas nesse estilo se chama Macbeth.

Tem o tipo de rainha que usa coroa e exerce o ritual de andar e sentar no trono; cerimônia e foto. Oferece a mão a alguns, em protocolos estritos. Ela é sobretudo simbólica.

Morreu agora uma rainha com essa função. Seu corpo —morto— tem que passear por todo o reino e ser pranteado. Vou chorar sobre esse corpo, pois algo em mim se foi com ele. Uma vida, uma era, meu lugar. Aquilo no qual me apoiava, e que me identificava. Vou às ruas chorar junto com aqueles que choram pela mesma coisa. Assim nos consolamos mutuamente e, dessa forma, nos unimos mais.

A rainha morta. Quanto tempo ela sobreviverá? Parece que ainda precisamos ir atrás desse tipo de figura imaginária para sustentar algo em nós.

Ou da figura de um rei, forte e dominador. Aquele que nos mantém unidos pelo medo, pela raiva (do inimigo) ou pela admiração delirante —três coisas cozidas no mesmo caldo. O medo é combustível da raiva e da violência.

E assim seguimos, loucos de vontade de nos unir em torno do rei-imperativo e da rainha-símbolo.

Aliás, aspirantes a reis e rainhas: quanto tempo mais vocês terão emprego?

Às vezes penso que ter os problemas que temos já seria um bom motivo de união.

Resolver problema junto é bem melhor do que resolver sozinho.

Ajuda a pensar. Aproxima. E deixa tudo mais leve.

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