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Jornalista e roteirista de TV.

Simone Biles e a força de saber parar

Ginasta mostrou que força maior é reconhecer a fragilidade e deixar que ela te dê um abraço carinhoso

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Você sabe o que é acordar e virar para o lado e querer dormir o restinho do ano porque nada mais faz sentido? Sabe o que é ficar paralisado diante de coisas que sabe fazer porque tem medo de não saber mais? Ou de não fazer tão bem como já fez um dia? Já se olhou no espelho e não se reconheceu?

Quando li as declarações da ginasta Simone Biles, sobre sua decisão de parar, entendi o que ela queria dizer, ao citar demônios que enfrenta, não acreditar em si mesma, sobre a necessidade de dar um passo atrás.

A ginasta americana Simone Biles durante apresentação solo na final do individual geral feminino de ginástica artística - Reuters

Frequento esses lugares em que a mente se perde e não consegue encontrar o caminho de volta à racionalidade. Tenho estado nessas situações em que lido com fantasmas e medos imaginários mais vezes do que gostaria. Eu sei o que é estar fora do controle. Ter força é saber parar como ela fez. A maioria de nós não tem a força que ela teve. Eu continuo saindo da cama todos os dias, acreditando que será diferente. Não funciona assim. Em dez anos de depressão e síndrome do pânico, ainda acho que a minha força está em não parar. Simone mostrou que estou errada. Força maior é reconhecer a fragilidade e deixar que ela te dê um abraço carinhoso.

Vem desse conforto o entendimento sobre os limites que o corpo nos impõe. Biles foi corajosa ao dar um passo atrás, para ajustar o foco, o equilíbrio, a determinação, antes de voltar a correr e saltar para frente. A pausa nos ajuda a olhar com perspectiva a altura do poço em que fomos descendo à medida que o dia a dia nos cobra respostas que não conseguimos dar.

Em 2020, quando Biles anunciou seu afastamento, nas Olimpíadas de Tóquio, metade do mundo estava ou doido ou medicado, mas com tanta desgraça no mundo, quem tinha coragem de reclamar de alguma coisa?

"Há crianças com fome na África", repete Arabellla, a personagem de Michaela Coel, na série "I May Destroy You" (HBO). Baixinho, para ela mesma, entoa como um mantra a tragédia alheia, como se um sofrimento maior pudesse aliviar o seu próprio, a violência sexual a qual foi submetida. Passei a usar do mesmo expediente nesses meses de confinamento. Tem gente muito pior do que eu, não posso reclamar, durmo numa cama quentinha, tem comida na geladeira, ninguém da minha família morreu e nem perdi todos os meus trabalhos. Até que colapsei.

Biles, ao que tudo indica, seguiu a "regra do avião". Primeiro, colocou a máscara de oxigênio, reassumiu o controle de sua saúde mental e da vida profissional, para somente depois representar não apenas a si mesma ou seu país, mas uma legião que se reconhece na vertigem das emoções que sentimos quando saltamos sem que tenhamos uma rede de proteção emocional estendida.

Eu ainda me sinto um pouco culpada e fico ainda pior pela culpa, por às vezes não ser capaz de reagir e por pensar em tempo todo que tem gente com sofrimentos que parecem mais reais, porque são visíveis do que feridas psicológicas. Sempre tento lavar um tanque de roupa, recomendado por quem acha que depressão, ansiedade e toda sorte de doenças mentais são frescura e se resolvem com trabalho braçal, boletos para pagar e força de vontade.

Sorri ao ver Biles vencer. É uma vitória contra seus demônios, contra a voz interior que dizia que ela não era capaz. Parar não é desistir. Simone disse que precisava dar um passo atrás, numa demonstração de consciência, maturidade e força. Gosto de um meme que diz que "às vezes, precisamos dar um passo atrás para conseguir dar uma voadora". Serve para o esporte e para a vida.

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