Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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O machismo de Lula

É do presidente a responsabilidade de se comunicar bem, não do público ler nas entrelinhas o que ele quer dizer

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Quando eu vi o furdunço nas redes por causa de uma fala de Lula, pensei na hora, de novo? Toda semana é uma declaração machista, uma referência machista, uma "brincadeira" machista. Ao assistir ao trecho que causou tamanha reação, fica claro que faltou interpretação de texto do público e bom senso do presidente.

Primeiro, o que ele disse: "Hoje eu fiquei sabendo de uma notícia triste. Tem pesquisa, Haddad, que mostra que depois de um jogo de futebol aumenta a violência contra a mulher. Inacreditável. Se o cara é corintiano, tudo bem, como eu. Mas eu não fico nervoso quando perde, eu lamento profundamente". O que ele quis dizer: "se o cara é corintiano, tudo bem (ficar chateado), como eu, mas não fico nervoso quando perde". Foi isso, mais nada.

Isso não quer dizer que Lula não seja machista, há vários exemplos que mostram o contrário, mas nesse o caso, o grande problema é o de querer fazer "piada" sobre um assunto sério, comer palavras e deixar o raciocínio truncado. É do presidente a responsabilidade de se comunicar bem, não do público ler nas entrelinhas o que ele quer dizer.

O presidente Lula, ao lado da primeira-dama Janja Lula da Silva, durante cerimônia de sanção de dois projetos de lei, um que trata de direitos para mulheres pesquisadoras que tem filhos e outro educação ambiental, no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira/Folhapress

Lula coleciona falas machistas, ainda que nem de perto eu perceba nele o desprezo que Bolsonaro sentia pelas mulheres. No caso do inelegível, o sentimento era de falta de respeito, de colocar o gênero feminino numa escala inferior à dos homens. Foi assim ao tratar, por exemplo, a própria filha como uma fraquejada, ao negar a importância de políticas públicas de valorização da mulher, de ataques ao feminismo e a jornalistas. Misoginia em seu estado mais bruto.

O machismo de Lula é estrutural. Por mais que esteja rodeado de mulheres, seja casado com uma ativista, faça gestos que mostrem admiração e respeito, é um homem do seu tempo, um sujeito talhado numa sociedade machista, com uma profunda dificuldade em renovar suas referências e a forma de se expressar quando fala para mulheres e sobre mulheres. Então, cada vez que abre a boca, é um festival de gafes, de falas preconceituosas, de machismo, e suas declarações serão cobradas e julgadas. Um líder no século 21 precisa acompanhar as mudanças na velocidade em que elas se impõem. Não tem desculpa.

Recentemente, Lula não gostou do paralelo entre ele e Joe Biden, em relação à idade. A candidatura do democrata tem sido contestada depois do desastre do debate com Donald Trump, no qual demonstrou dificuldade em organizar raciocínios, concluir falas, além da visível falta de vigor físico.

Para responder aos críticos, Lula disse para uma plateia, em Diadema, que "tem tesão de 20" e que "Janja é testemunha ocular". A fala foi a seguinte: "...quem achar que o Lulinha está cansado, pergunte para a Janja. Ela é testemunha ocular. Quando eu falo que eu tenho 70 anos de idade, energia de 30 e tesão de 20, eu estou falando com o conhecimento de causa". Só faltou dizer que é imbrochável. Na época da campanha, em 2022, ele já veio com esse papo de que apesar de ter 76 anos de idade, está com "tesão de 20". Uma analogia para mostrar sua vontade política de transformar o país. Agora, de novo. Não dá.

Lula conseguiu mostrar que as críticas a sua idade talvez façam sentido. A fala é machista, típica de gente desconectada do presente. De um tempo em que os homens tinham orgulho em provar sua virilidade, de relacioná-la à competência, à capacidade profissional, mesmo que às custas do constrangimento de suas mulheres. Bolsonaro adorava fazer isso. Num evento em novembro de 2021, por exemplo, deu bom dia aos presentes, menos à Michelle, que tinha recebido um bom dia "especial". Grosseiro, constrangedor, machista.

Em março, Lula disse que uma mulher com formação profissional não depende do pai para comprar calcinha e batom. Não dá. Mulheres são chefes de metade das famílias brasileiras, responsáveis pelo seu sustento, botam comida dentro de casa, fazem a economia girar. O presidente tenta enaltecer a importância da independência financeira feminina e fala em calcinha e batom?

No começo de julho, na entrega de moradias populares, o presidente quis elogiar um dos beneficiados que tinha 10 filhos e estava casado com a mesma mulher há 28 anos. O detalhe é que a menina tinha 12 quando se casou. O casamento infantil é um problema social grave no país, não dá para o presidente romantizar esse tipo de relação, mesmo que tenha acontecido no passado. Não dá.

Lula se coloca como apoiador das causas feministas. Mas suas falas não conversam com os valores defendidos pelo feminismo. Há outro problema além das falas, as ações. Não dá para se colocar como aliado das mulheres e ter um ministério majoritariamente masculino. Não dá para ter a chance de nomear mulheres para o STF e escolher dois homens. Não dá para se mostrar indignado com a violência contra mulher, quando os indicativos são aterrorizantes, e tentar fazer piada de botequim, sem que as pessoas nem entendam o que ele quer dizer. Não dá para querer mostrar que ainda tem saúde para governar bancando o macho garanhão, deixando a mulher constrangida na plateia e o eleitorado feminino achando que ele não passa de um velho babão.

Se Lula não aprende com a realidade, que seja com um media training. Ou isso ou que não reclame de ser comparado ao antecessor.

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