Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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Descrição de chapéu Maratona

Série 'I May Destroy You' aborda estupro sem concessões

Escritora e atriz britânica Michaela Coel parte de experiência pessoal para construir série brilhante

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Em uma fotografia que circula nas redes sociais há meses, uma mulher jovem, loira, vestida de rosa empunha um cartaz em inglês que impõe uma pergunta catártica: “Por que toda mulher conhece outra mulher que foi estuprada, mas nenhum homem conhece um estuprador?”.

A imagem —a coluna não conseguiu localizar sua origem— foi revirada em memes, panfletos feministas e lamentos masculinos a respeito de falsas acusações de estupro.

A pergunta —e as respostas—levanta uma segunda questão: será possível que em 2020 haja gente que não sabe o que é um estupro?

É essa dúvida que a escritora e atriz britânica Michaela Coel quer extinguir em seu “I May Destroy You”, um drama em dez episódios produzido pela BBC e que estreou na HBO em junho. Já foram exibidos cinco, então corra que há tempo para se inteirar.

Ela mesma vítima de estupro, Coel tem um argumento claro: se uma das partes não queria fazer sexo daquele jeito ou naquele momento, é estupro. Isso inclui dopar alguém para transar (algo que aconteceu com ela e se repete na série) e prometer usar camisinha e não usar, além de, obviamente, usar violência para forçar alguém ao sexo.

Se sua tese é cristalina, seu texto, por outro lado, é repleto de nuances. De um primeiro episódio cintilante, cheio da efusividade característica da geração millennial, ela salta para um segundo profundamente sombrio, e daí por diante as coisas se entrelaçam num quadro realista.

É nessa zona cinzenta e com as dúvidas de sua personagem e dos amigos que a rodeiam que ela mostra por que esse tipo de questão —foi estupro?— ainda vem tantas vezes acompanhada de um ponto de interrogação, e não de exclamação, apesar de ser um tipo de crime tão discutido.

(No Brasil são 180 estupros registrados por dia, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2018, os mais recentes).

Sua personagem, Arabella, como Coel, é uma escritora com um sucesso publicado (aos 33, Coel tem outro hit, a série “Chewing Gum”), ascendência ganesa, em Londres, cercada de amigos que navegam pela vida sem grandes compromissos e uma incrível voracidade.

Vale se debruçar sobre uma observação do meu colega Mauricio Stycer, sempre arguto, nesta Folha. Entende-se que, com mais espaço e atenção hoje para jovens autoras, haja um afã em categorizá-las no mesmo pacote, sobretudo porque há, nesta geração de autoras, o traço comum de se falar sem maiores vergonhas da própria sexualidade, do corpo, de aspirações. Tampouco há pudor em exibir fraquezas e mesquinharias.

Mas a sobriedade do drama de Arabella, ou Michaela Coel, está longe do humor autodepreciativo de outra escritora genial desta geração, Phoebe Waller-Bridge (de “Fleabag”), e muito mais distante das neuroses pós-adolescentes de Lena Dunham.

Das três, Michaela Coel é a mais incisiva, provavelmente porque uma mulher negra, filha de imigrantes, criada apenas pela mãe num ambiente religioso não tenha como rir de si mesma quando consegue se fazer ouvir.

"I May Destroy You" está disponível na HBO Go e na HBO, com novos episódios às segundas, às 23h.

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