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Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

Historiadora conta como ativistas e empresários apagaram o cigarro

'Cigarette: A Political History', de Sarah Milov, narra histórias da indústria tabagista e de saúde pública

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Foi a primeira vez que se viram cartazes de “Proibido Fumar” na parede. Eles foram pregados no auditório no qual o surgeon general, a maior autoridade em saúde pública dos Estados Unidos, divulgou o "Relatório sobre Fumo e Saúde". Foi em 11 de janeiro de 1964, um sábado.

O relatório, distribuído a 200 repórteres vindos de todo país e até do exterior, era taxativo: os fumantes sofriam de câncer no pulmão dez vezes mais do que os que não fumavam; tinham 70% mais chance de ter doenças coronarianas; corriam risco maior de morrer de bronquite ou enfisema.

Os jornalistas ficaram tão abalados com a notícia que tiveram uma reação pavloviana: acenderam o cigarro. Mas tiveram de sair da sala. Cerca de 40% dos americanos fumavam —metade dos homens e 25% das mulheres. Tragavam mais de 425 bilhões de cigarros por ano.

Quem conta isso é a historiadora Sarah Milov no recém-publicado “Cigarette: A Political History” (Harvard University Press, 400 págs.). Ela conta também que, imprevistamente, a indústria tabagista ficou tranquila.

Ilustração de Bruna Barros para a coluna de Mario Sergio Conti publicada em 20 de fevereiro de 2021 no jornal Folha de São Paulo - Bruna Barros

Avisada pelo governo, ela pediu que o anúncio fosse feito num sábado, de modo a que a Bolsa estivesse fechada e as ações dos fabricantes de cigarro não desabassem.

A venda de cigarros caiu 20% nos meses seguintes, mas logo depois, mais imprevistamente ainda, o prejuízo virou fumaça. No ano seguinte, as vendas ultrapassaram os níveis anteriores e as empresas tiveram o seu maior lucro até então. O que não significa que o relatório tenha sido engavetado.
Tanto que os fabricantes foram obrigados a estampar advertências nos maços: “cigarro causa câncer” etc. E nem por isso os americanos passaram a fumar menos.

“Cigarette: A Political History” desmente o conto de fadas que o esclarecimento acerca dos males do cigarro levou milhões de pessoas a parar de fumar.

As luzes da ciência não atravessaram as nuvens da nicotina.

O cigarro, conta Milov, se firmou como uma mercadoria de enorme peso e potencial econômico devido ao fato de viciar —de manter e aumentar seus fregueses, o seu mercado. Ele teve o seu
apogeu no século 20 devido a três momentos decisivos.

O primeiro foi o New Deal, o programa do presidente Roosevelt para tirar o país da recessão, onde jazia desde 1929. Para proteger os empregos rurais e evitar o êxodo para metrópoles, o governo subsidiou intensamente os plantadores e exportadores de tabaco.

O marco seguinte foi a Segunda Guerra Mundial, na qual o cigarro —via marketing— foi associado ao patriotismo ianque. A ponto de maços do Lucky Strike, o cigarro mais vendido, serem distribuídos a soldados americanos que combatiam no Pacífico e na Europa.

O terceiro foi o Plano Marshall, com o qual a Casa Branca, para fazer frente à União Soviética, investiu na reconstrução da Europa. Entre 1948 e 1951, dos US$ 13 bilhões despendidos pelos Estados Unidos em 16 países, US$ 1 bilhão foi para a produção e exportação de tabaco.

O incentivo maciço aos cigarros americanos, propagandeados como modernos e ocidentais, acabaram com os seus congêneres da Grécia e da Turquia, que foram agregados ao atraso de sabor oriental. As marcas europeias que sobreviveram foram as francesas, os Gitanes e os Gauloises.

O século do cigarro começou a chegar ao fim nos anos 1970. Tiveram pouca valia os recursos tradicionais da indústria do cigarro —como a propaganda e o pagamento de cientistas e médicos para dizer que fumar era inócuo— frente a outras forças surgidas na sociedade americana.

É o caso do ativismo voltado para o consumo, que tomou lugar da militância sindical. Ralph Nader, que fez campanha contra a insegurança dos automóveis, foi símbolo desse movimento.

Como os consumidores passaram a ter tanta importância quanto os produtores, vieram para o primeiro plano questões como a degradação do meio ambiente, a alimentação prejudicial à saúde, a poluição —e o cigarro. Só o ativismo cidadão, porém, não bastou.

O golpe de morte no cigarro foi dado pelo empresariado. Pesquisas mostraram que os fumantes faltavam ao trabalho e ficavam doentes com maior frequência —custavam mais e eram menos produtivos. O bom trabalhador não fumava.

Criou-se então um novo cidadão: o não fumante, ou fumante passivo, com direito a ar limpo quando trabalha e consume. Em benefício do bom funcionamento do sistema os fumantes foram rotulados de réprobos e bregas —e reprimidos. O cigarro foi proibido em tudo quanto é canto. Só se pode fumar na rua e em casa.

Por enquanto.

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