Siga a folha

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

Descrição de chapéu Coronavírus

Podemos encerrar a pandemia da Covid no ano que vem

Estamos lutando em uma guerra mundial, mas ação audaciosa quanto à vacinação pode dar aos nossos governos a oportunidade de vencê-la

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Financial Times

Somos uma espécie estranha. Temos a capacidade de produzir maravilhas, mas em seguida falhamos em garantir que cheguem a todas as pessoas que poderiam se beneficiar, apesar de os custos serem triviais, se comparados aos ganhos coletivos. A maravilha, agora, é a chegada rápida de vacinas efetivas contra a Covid-19. A falha é garantir produção e distribuição em escala suficiente. Em nossa insensatez, estamos desperdiçando uma oportunidade gloriosa.

Em “Uma Proposta para Acabar com a Pandemia da Covid-19”, Ruchir Agarwal e Gita Gopinath, do Fundo Monetário Internacional (FMI), destacam tanto a oportunidade quanto os benefícios que podem ser obtidos caso ela seja aproveitada. O plano que sugerem é o de vacinar pelo menos 40% da população de todos os países do planeta até o final de 2021, e pelo menos 60% até 2022, e criar sistemas que permitam exames e rastreamento generalizado dos contágios. O estudo estima os benefícios econômicos cumulativos desse esforço em US$ 9 trilhões (US$ 1,15 mil por pessoa), ante um custo de US$ 50 bilhões— uma relação custo/benefício de 180 por um. Deve ser um dos investimentos de maior retorno já propostos.

A pandemia é, acima de tudo, uma crise de saúde. Mas também é um desastre econômico. O estudo tem razão em insistir em que “a política quanto à pandemia é também política econômica, porque não haverá fim duradouro para a crise econômica sem um fim para a crise de saúde”. Uma comparação entre as projeções do FMI em outubro de 2019 e as projeções de abril de 2021 indica que a Covid-19 reduziu a produção real do planeta em US$ 16 trilhões (em preços de 2019), só nos anos de 2020 e 2021. Se a pandemia continuar, perdas da mesma ordem persistirão por ainda muito tempo no futuro.

O relatório também estima que 40% dos ganhos que o plano ofereceria iriam para os países de alta renda, porque uma recuperação mundial fortalece a recuperação em cada deles. Isso elevaria sua arrecadação tributária em pelo menos US$ 1 trilhão. Além disso, a aceleração da vacinação não aceleraria apenas a reabertura das economias. Também reduziria a probabilidade de que uma variante futura do vírus venha a derrotar as vacinas disponíveis, o que poderia forçar o mundo a retornar aos lockdowns.

O plano é gastar US$ 50 bilhões, dos quais pelo menos US$ 35 bilhões seriam bancados por dotações e o restante por empréstimos concessionais. Dados os compromissos já assumidos, apenas US$ 13 bilhões em dotações adicionais são necessários. Mas é importante que esse dinheiro não seja apenas prometido, mas desembolsado com antecedência, em forma de verbas e doações de vacinas.

Sob o cenário que o relatório define como “situação de rotina”, a estimativa seria de seis bilhões de doses de vacinas produzidas até o final de 2021, o que bastaria para vacinar 3,5 bilhões de pessoas (45% da população mundial). Isso permitiria que a população prioritária do planeta fosse coberta. Na prática, porém, alguns países estão vacinando crianças enquanto outros vacinam quase ninguém. Assim, a cobertura efetiva nos países de baixa e média renda ficará bem abaixo dos 45%.

Pior, existem riscos plausíveis de que esse cenário enfrente problemas. Entre eles há a escassez de matérias primas, restrições de exportação, preocupações de segurança quanto às vacinas mais adequadas para os países em desenvolvimento, e o provável uso de doses de vacina para inocular crianças e para reforço, o que reduz a eficácia estatística no uso da vacina. Qualquer um desses desdobramentos, ou a soma deles, poderia reduzir ainda mais a disponibilidade de vacinas nos países em desenvolvimento, retardando o fim da pandemia mundial.

Assim, o que está sendo proposto sobre a vacinação?

Primeiro, atingir as metas mais ambiciosas de vacinação. Isso requererá contribuições em dinheiro imediatas de US$ 4 bilhões para a Covax, a fim de concluir pedidos, ativar capacidade mundial não utilizada e distribuir vacinas. Além disso, os países também devem ser ajudados individualmente a encomendar mais vacinas. Adicionalmente, as restrições quanto à venda de matérias primas e vacinas prontas devem ser suspensas. Por fim, doses excedentes de vacina devem ser doadas para onde quer que exista maior necessidade.

Segundo, como proteção contra os riscos que a campanha pode enfrentar, é preciso firmar contratos para um trilhão adicional de doses de vacina até o primeiro semestre de 2022. Isso requereria verbas adicionais de US$ 8 bilhões. Também seriam precisos esforços adicionais para encorajar o licenciamento voluntário e a transferência internacional de tecnologia. Além disso, é essencial criar um sistema mundial de vigilância genômica e modificação de vacinas, caso necessário. Outro componente essencial é transparência quanto a todas as encomendas de vacina e as cadeias de suprimento que devem entregá-las.

Terceiro, administrar o período de escassez de vacinas com sabedoria. Assim, é preciso investir já em expansão da capacidade de entrega e no combate à "hesitação quanto à vacina”. Além disso, todas as vacinas potenciais devem ser avaliadas, incluídas as da China e Rússia. Também é vital garantir que as vacinas continuem a ser gratuitas para as pessoas pobres, no mínimo. Além disso, enquanto persistir a escassez, as doses devem ser aproveitadas ao máximo, como fez o Reino Unido, dando primeiras doses a um maior número de pessoas, aplicando doses fracionais ou aplicando doses únicas a pessoas que já tenham tido a doença.

Os detalhes técnicos do programa proposto podem precisar de ajustes. O financiamento para ele também. Mas não deve haver questão quanto à sua lógica mais ampla. Estamos todos juntos nisso. É insensatez imaginar que o foco nacional dos atuais programas de vacinação será efetivo em lidar com uma pandemia mundial. É insensatez não expandir a oferta e as entregas mundiais de vacinas da maneira mais urgente possível. Também é insensatez gastar trilhões de dólares em medidas de apoio relacionadas à pandemia dentro de um pais e deixar de gastar algumas poucas dezenas de bilhões de dólares para pôr fim à pandemia em todo o mundo o mais rápido possível.

Se verdades evidentes como essas não influenciarem os governos das democracias de alta renda, que eles ao menos considerem a geopolítica. Por quantias modestas, eles têm a capacidade de aliviar o sofrimento de bilhões de pessoas que vivem em países vulneráveis, e assim provar que se importam e que são competentes. Podem fazer o bem, e com isso parecer bons. Caso não mostrem a urgência necessária em gastar essas quantias triviais, a posteridade vai querer saber o que diabos eles estavam pensando. Vivemos uma guerra mundial. Os governos dos países ricos precisam agir para vencê-la já.

Tradução de Paulo Migliacci

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas