Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC
Outrora poderoso, Strauss-Kahn está no 1º túmulo do cemitério da cultura do estupro
Geração forjada pelo Me Too assistirá com horror ao relato de um episódio histórico e constatará que muito mudou desde então
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Para consumidores de doses cavalares de política, a minissérie "Quarto 2806: A Acusação", recém-lançada pela Netflix, é a história de um destino perdido.
Antes de ser engolido pelo mundialmente famoso caso do Sofitel em maio de 2011, Dominique Strauss-Kahn, então diretor do Fundo Monetário Internacional, não era apenas o favorito contra Nicolas Sarkozy nas presidenciais francesas.
Ele era a maior esperança da renovação da centro-esquerda e da União Europeia.
DSK, como era conhecido, já alertava para a urgência de uma revolução tecno-industrial na Europa para fazer frente à emergência da China.
Sob o seu comando, os socialistas esperavam abandonar o neoliberalismo esgotado pela crise financeira de 2008 e deixar para trás as experiências traumáticas do social-democrata Gerhard Schröder na Alemanha, que arrasou os direitos trabalhistas antes de virar um lacaio de Vladimir Putin, e de Tony Blair, o trabalhista britânico enlouquecido pela guerra no Oriente Médio.
Fluente em alemão e conhecedor do norte da África, onde passou a infância, DSK teria, numa realidade alternativa, segurado a União Europeia, o Partido Socialista e o choque civilizatório entre a França e o islamismo.
Hoje os franceses talvez estivessem navegando nos mares plácidos do seu segundo mandato. François Hollande, que o sucedeu na corrida presidencial, continuaria sendo um burocrata de partido com o carisma de uma avestruz; Emmanuel Macron, um carregador de pastinha, e o movimento centrista, uma inalcançável fantasia discutida nas quadras de squash.
A explosão do escândalo DSK mostrou ao mundo que a sociedade precisava urgentemente ser renovada, mas não nos moldes imaginados pela sua classe política.
Por trás da capa de salvador das democracias liberais se escondia um predador sexual que usava o seu poder para caçar as suas vítimas e a sua fortuna para fugir da Justiça.
Os desdobramentos da sua agressão sexual a Nafissatou Diallo, tão bem detalhados na minissérie, abriram os olhos para a podridão de duas culturas antagonistas do Atlântico Norte.
Os tribunais morais americanos, que começaram celebrando a detenção de um poderoso como um sinal de igualdade na Justiça, acabaram humilhando e incriminando uma migrante analfabeta de um país africano.
Já na França, o culto à libertinagem em seu melhor estilo 1968 foi usado para encobrir a crueldade do tráfico sexual de mulheres.
Se uma boa parte da opinião pública preferiu se divertir com as teses de conspiração e romantizar a condição das mulheres que eram servidas como oferendas ao ogro DSK, ativistas transformaram o escândalo em uma causa universal.
No Brasil e no mundo, a nova geração forjada pelas lutas do movimento Me Too vai assistir com horror ao relato de um episódio histórico que aconteceu há menos de dez anos e constatar que muito mudou desde então.
DSK poderia ser lembrado como um dos grandes da política. Hoje, a sua sigla, que emanava tanto poder, está gravada no primeiro túmulo do cemitério da cultura do estupro e do assédio. Ver a minissérie "Quarto 2806" dá asco, mas nos deixa otimistas sobre o futuro.
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