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Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

A história de um artista gigante

'Um Beijo do Gordo' traz tesouros, mas flerta com a fofoca e não explora a visão política de Jô Soares

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Como todo mundo sabe, Jô Soares (1938-2022) foi um artista gigante, com realizações marcantes em TV, teatro, cinema, artes plásticas, música e literatura. "Eclético total, o que mais gosta é tudo", sintetizou Millôr Fernandes num de seus "Retratos 3x4 de Alguns Amigos 6x9".

É compreensível, por isso, que a série documental "Um Beijo do Gordo" priorize alguns poucos aspectos de sua carreira, deixando outros de lado. Ao longo de pouco mais de três horas, compartimentadas em quatro episódios, não seria possível falar de todos os Jôs.

Retrato de Jô Soares, em São Paulo, em 1988 - Folhapress

O Jô que se sobrepõe é principalmente o artista de televisão, o gênio do humor e o brilhante apresentador de talk shows. Com direção e roteiro de Renato Terra e edição de Jordana Berg, a série do Globoplay oferece ainda um raro e comovente olhar sobre a intimidade de Jô, especialmente nos seus últimos anos.

O primeiro episódio traz inúmeros tesouros, inéditos ou pouco conhecidos, como uma entrevista de Irene Ravache com Jô, na qual ele diz que era "uma criança insuportável". Há um bom depoimento de Carlos Alberto de Nóbrega sobre "A Família Trapo", de 1967. E muitas imagens dos primeiros programas que fez na Globo, "Satiricom", em 1973, e "Planeta dos Homens", em 1976, comentadas pelo roteirista Hilton Marques.

Jô já sabia então que não cabia apenas na televisão. Preferia o teatro: "Na TV, você é naturalmente limitado. No meu caso, a TV usa 10% da minha potencialidade de ator e showman. No teatro, eu dou vazão, o palco é o meu ramo". Eis a dica para um outro documentário.

"Um Beijo do Gordo" flerta com a fofoca ao pôr Claudia Raia em primeiro plano, falando de seu namoro com Jô. A atriz ocupa mais espaço na série do que as duas primeiras mulheres com quem Jô foi casado, as também atrizes Therezinha Austregésilo, mãe de Rafael, e Sylvia Bandeira.

Bruno Mazzeo propõe uma comparação interessante entre Jô e Chico Anysio, que reinaram na grade da Globo nas décadas de 1970 e 1980. Na sua visão, o humor de Jô era mais político e o de Anysio, mais social. Valeria a pena ter explorado mais esse tópico.

O segundo episódio, o mais curto, trata do momento de virada fundamental da sua carreira na TV: a estreia do talk show Jô Soares Onze e Meia, no SBT, em 1988. A criação do programa, a escolha do nome, a formação da banda, as influências e cópias externas e a impressionante repercussão que teve são detalhados em ótimos depoimentos.

No seu auge, durante a CPI que investigou o então presidente Collor, o talk show se consagrou: "Jô fez o maior jornalismo de oposição que havia", diz a diretora Dilea Frate. "Silvio Santos nunca exigiu nada da gente, nem sugerindo pauta.

Creio que a série perdeu a oportunidade de explorar melhor a forma como Jô enxergava a política. Homem de espírito livre, não se filiava a partidos, mas prezava a liberdade e a tolerância. Na volta à Globo, criou o quadro "As Meninas do Jô" para discutir os assuntos mais quentes da semana.

Em junho de 2015, foi a Brasília entrevistar a então presidente Dilma Rousseff, já sob bombardeio pesado do Congresso e da mídia. Quando Jô morreu, Dilma declarou: "Jô foi a única voz dentro da Globo disposta a me ouvir naquele momento. E disso eu não me esqueço". É uma pena que a série ignore esta entrevista.
O terceiro episódio fica maçante ao adotar tom de tributo e priorizar depoimentos de uma série de humoristas sobre o impacto que o Programa do Jô teve em suas carreiras.

No último episódio, porém, a série volta a crescer, sobretudo, com os relatos de Flavia Pedras, a Flavinha, última mulher de Jô, e de Drauzio Varella, Zélia Duncan e vários funcionários do artista sobre seus últimos dias. É impossível não derramar uma lágrima.

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