Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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No reino da fantasia

Futuro remake de 'Vale Tudo' ameniza frustração por 'Renascer' e ofusca todo o sucesso de 'No Rancho Fundo'

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Como de hábito, a Globo hoje exibe cinco novelas em sua programação diária: duas reprises, "Cheias de Charme" e "Alma Gêmea", duas tramas originais, "No Rancho Fundo" e "Família É Tudo", e um remake, "Renascer".

Curiosamente, quem acompanha o noticiário sobre o assunto tem a impressão de que só se fala de outra coisa.

Bazilio Calazans/Globo
A vilã Odete Roitman, vivida por Beatriz Segall - Bazilio Calazans/Globo

A provável nova versão de "Vale Tudo", prevista para 2025, ano em que a emissora comemora 60 anos, parece estar sugando toda a atenção de quem se interessa por novelas.

Notas vazadas à imprensa, especulações e balões de ensaio sobre a escalação do elenco do futuro remake pipocam diariamente na internet, provocando acalorados debates. A demanda por opiniões sobre a validade, ou não, de refazer "Vale Tudo" é de uma elasticidade aparentemente infinita.

No festival de palpites que assola o país, qualquer pessoa que tenha algo a dizer sobre o momentoso assunto sabe que encontrará abrigo em sites de notícias, de celebridades e nas redes sociais.

Tanto frenesi, ou engajamento, como se diz hoje, se explica pelo fato de que a novela de Gilberto Braga, Leonor Bassères e Aguinaldo Silva, lançada em 1988, é lembrada como a melhor, ou uma das melhores, já exibidas pela Globo.

Mas arrisco dizer que a conversa sobre "Vale Tudo" pode estar cumprindo uma outra função, a de amenizar a frustração com o desempenho morno de "Renascer", segunda versão da clássica novela de Benedito Ruy Barbosa.

A trama reescrita por Bruno Luperi não está mal de audiência nem de publicidade, mas não é muito comentada, não causou controvérsias nem surpreendeu.

Ficou longe do sucesso da releitura que o mesmo autor fez de "Pantanal", em 2022. A Globo talvez tenha acreditado demais na tese de que qualquer novela rural é uma garantia de bom público.

Neste ambiente de muita espuma, por causa de "Vale Tudo", corre-se o risco de não dar a devida atenção ao bom resultado que "No Rancho Fundo" vem alcançando.

A atual novela das 18h confirma que há uma parcela do público interessadíssima em tramas infantis, bem fantasiosas. Espécie de continuação de "Mar do Sertão", de 2022, a fábula de Mario Teixeira se passa no interior da Paraíba, em localidades fictícias chamadas Lasca Fogo e Lapão da Beirada.

Ainda que seja uma história contemporânea, os personagens agem como se vivessem na década de 1950. Num tom de comédia e leveza, num ambiente de muita devoção e temor a Deus, brilham personagens bem caricatos e típicos, como o padre enxerido, o delegado inepto, o prefeito corrupto, a cafetina ambiciosa e a fofoqueira oficial.

No centro da cidade principal, o Grande Hotel São Petersburgo domina a cena. Bem dirigida, por Allan Fiterman, a novela conta com elenco dedicado e de qualidade, que abraçou a fantasia, liderado por nomes como Andrea Beltrão, Mariana Lima e Alexandre Nero.

Não deve ser coincidência que tem se falado da intenção da Globo de fazer uma continuação de "Êta Mundo Bom". De autoria de Walcyr Carrasco e exibida em 2016, ela alcançou a melhor audiência de uma novela das 18h desde 2006 —e até hoje não foi superada.

Inspirada no "Cândido", de Voltaire, e num filme de Mazzaropi, a história se passa em São Paulo, em 1948, e gira em torno da busca de Candinho, um caipira, pela mãe biológica, de quem foi afastado na infância. Tudo dá errado para o herói, mas ele nunca esmorece.

O seu lema é: "Tudo o que acontece de ruim na vida da gente é para melhorar". Como bem observou Lucas Martins Néia no recém-publicado "Como a Ficção Televisiva Moldou um País", o sucesso de produtos muito calcados na fantasia, em oposição a tramas realistas, não pode ser dissociado do crescimento da onda conservadora no país.

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