Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Descrição de chapéu Olimpíadas 2024

Às favas a sobriedade

Não espere equilíbrio de quase ninguém envolvido na cobertura dos Jogos pela televisão

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Mal começou a transmissão da partida de handebol entre Brasil e Espanha, ainda um dia antes da cerimônia de abertura dos Jogos, o narrador Rômulo Mendonça avisou: "Ufanismo acionado aqui!".

Conhecido pelo bom humor, o narrador da CazéTV deixou claro que não se deve esperar nenhuma sobriedade da sua parte durante as competições em Paris.

Não espere, aliás, equilíbrio e bom senso de quase ninguém envolvido nesta cobertura pela televisão. Pega mal, até.

Michel Agusto durante derrota para o japonês Ryuju Nagayama
Michel Agusto durante derrota para o japonês Ryuju Nagayama - Kim Kyung-Hoon/Reuters

Olimpíadas são guerras entre nações.

Para quem exibe as batalhas, o importante é vencer, mesmo que com erro de arbitragem. Como disse um comentarista da Globo no vôlei de praia: "Que bom que foi pro nosso lado [a decisão sobre] essa bola duvidosa".

Em caso de derrota, como ocorreu no primeiro dia do judô, a culpa é de hipotéticos ou inexistentes erros de arbitragem. O jovem judoca Michel Augusto reconheceu que cometeu erros na luta que o eliminou. Para a CazéTV, porém, "a arbitragem esculachou o nosso monstro Michel".

Parece não ser de bom tom aceitar uma derrota como fato natural numa competição. Mesmo quando não há argumentos concretos para justificar o ocorrido, é preciso dar um apoio ao Brasil. "Perdemos, mas dava para ter ganhado", disse Felipe Andreoli na Globo sobre a indiscutível derrota do vôlei masculino contra a Itália.

Outro problema é a obsessão em emocionar o espectador a qualquer custo. A televisão não precisa fazer muito esforço para documentar situações emocionantes em disputas esportivas, ainda mais em Jogos Olímpicos. Elas afloram naturalmente, a todo momento, em todo lugar.

Por isso implico tanto com jornalistas de inspiração barroca, que floreiam o texto no esforço de provocar lágrimas nos espectadores. Como ensinou Tadeu Schmidt na noite de sábado: "Para cada lágrima de felicidade, tem um copo cheio de tristeza".

Mas há também aqueles que, na linha de frente de uma dessas batalhas épicas, sabem agir com bom senso. Falo de Guilherme Roseguini e Bruno Fratus, na Globo. Diante de Guilherme Costa, em prantos porque terminou em quinto lugar nos 400 m livre, eles tiveram muita sensibilidade e evitaram explorar a emoção do nadador. O que poderia ter virado uma novela mexicana, resultou num momento naturalmente delicado, triste e verdadeiro.

Essas são questões que não interessam muito aos espectadores da CazéTV. O canal no YouTube, que mira um público mais jovem, optou pelo entretenimento acima de tudo. Com direitos de transmissão de todas as competições e um time enorme de colaboradores em Paris, eles optaram por uma mistura de ufanismo com pilhéria para descrever os Jogos.

A CazéTV se orgulha de ser o convidado que chegou numa festa usando o figurino errado. Diante das críticas, a apresentadora Fernanda Gentil explicou que o canal "tem o lado sério, mais técnico", mas não abre mão da "diversão e leveza". É a consagração do entretenimento num campo de guerra.

Um exemplo extremo dessa postura foi a gritaria durante a disputa de surfe protagonizada por Gabriel Medina. No papel de repórter e comentarista, o surfista e ex-BBB Pedro Scooby narrou: "Eu gosto dele nessa onda, irmão. Eu gosto. Vai!"

Estou com Tostão, que sábado mandou um recado aqui na Folha aos jornalistas que acompanham as competições em Paris: "Não basta torcer, é preciso compreender".

Estou aqui defendendo o que, nos dias de hoje, deve soar como uma visão bem conservadora: a de que transmissões esportivas, em especial Jogos Olímpicos, não estão na categoria do entretenimento. São um terreno no qual o bom humor e a gracinha até têm o seu lugar, mas não podem ser protagonistas.

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