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Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

Quem só fala e não sabe ouvir é um chato!

De que adianta tanto falatório se não aprendemos a arte de escutar bonito?

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“Meu marido não sabe escutar, não presta atenção no que falo, me interrompe o tempo todo, tem opinião sobre tudo.”

“Minha mulher reclama que não sei conversar, mas não tem a menor paciência para me escutar.”

“Meus filhos só dão ordens e me xingam de teimoso. Sou ignorado, invisível, um velho inútil.”

“Meus netos são hipnotizados pelo celular, não têm interesse nas minhas histórias. São egoístas, só se preocupam com o próprio umbigo.”

“Quando digo que estou em pânico com a tragédia brasileira, minha irmã fala que está desesperada, deprimida, sem conseguir dormir. Ela sempre faz drama, quer ganhar a competição de quem está sofrendo mais.”

“Não tenho com quem desabafar meus medos e angústias. Todo mundo só quer brigar e vomitar ódio, raiva e agressividade”.

Em tempos de gritaria, precisamos de quem nos escute com profundidade - Antonioguillem/stock.adobe.com

Em tempos de incontinência verborrágica, tagarelice, gritaria, barulho, ruído, estridência, intolerância, indiferença e ignorância, o que mais precisamos é de quem nos escute com profundidade.

Como dizia Rubem Alves, não aguentamos ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite, como se o que ele diz não fosse digno de atenção e respeito.

“Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular”.

Para ele, “não há amor que resista ao falatório”. Só quando se faz o silêncio dentro da alma, começamos a ouvir coisas que não ouvíamos antes. Amamos quem nos escuta em silêncio, sem dar conselhos, sem dizer: “Se eu fosse você…”.

“Amamos não a pessoa que fala bonito, mas a pessoa que escuta bonito. A arte de amar e a arte de ouvir estão intimamente ligadas. Não é possível amar uma pessoa que não sabe ouvir. Os falantes que julgam que por sua fala bonita serão amados são uns tolos. Estão condenados a solidão. Quem só fala e não sabe ouvir é um chato!”

Desde 15 de março de 2020, dedico muitas horas do meu dia só para “escutar bonito” meus amigos nonagenários. Adoro quando eles me chamam de “escutadora dos velhinhos”. Aprendi a ter uma escuta tão profunda, delicada e amorosa que percebo, apenas por uma mínima mudança do tom da voz e respiração, se estão alegres ou tristes, animados ou ansiosos, esperançosos ou exaustos. Fico emocionada com a curiosidade e alegria que eles têm ao aprender coisas novas quando estamos conectados. As risadas gostosas dos meus melhores amigos, Guedes de 97 anos e Thaís de 95, são o melhor presente que ganhei da vida.

Muitos dizem que tenho um “lugar de fala”, que “represento os velhos” e sou “porta-voz das mulheres maduras”. Acho desconfortável essa classificação, pois os mais velhos não precisam da minha voz para expressar suas vontades e verdades.

Devo ter conquistado meu “lugar de fala” há pouco tempo. Em 2015, em um evento onde apresentei minha pesquisa sobre envelhecimento e felicidade, o cartunista Ziraldo disse que eu não podia falar de velhice pois não era velha. Não foi a primeira nem a última vez que ouvi que não tinha idade suficiente para falar de velhice. Se não posso falar do que pesquiso há mais de trinta anos, de que posso falar?

Desde criança, sempre gostei mais de escutar do que de falar. Em um mundo em que a maioria parece gostar só do som da própria voz, e não tem respeito pelos mais velhos, meu propósito de vida é ser uma “escutadora dos velhinhos”. Encontrei o meu “lugar de escuta” e, a partir dele, descobri o meu “lugar de escrita”. Tornei-me uma eterna aprendiz da arte de “escutar bonito”.

Você conhece alguém que precisa fazer um curso de escutatória?

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