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'Não conheço mulher que não passou por uma situação de assédio', afirma Dira Paes

Para a atriz, arte é 'antídoto contra a ignorância' e moralidade como solução de problemas é 'ilusão'

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A atriz Dira Paes em entrevista para a coluna Mônica Bergamo - Ricardo Borges/Folhapress

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Uma das lembranças que Dira Paes, 50, tem dos anos 1990 é a “atitude das apresentadoras da MTV”. “Nunca tinha visto na televisão nenhuma menina parar com aquela postura meio assim”, diz a atriz enquanto faz uma pose despojada, com as pernas descruzadas. “Tinha algo novo ali. Eu imitava aquele jeito de Marina Person [risos]”, conta, referindo-se a uma das VJs da emissora.

 

Dira está no ar com a novela “Verão 90”, cujo enredo se passa naquela década. Na trama, a paraense interpreta Janaína. “Ela é o despontar da mulher contemporânea. Não é como a Lucimar, de ‘Salve Jorge’ [que Dira interpretou], que não tinha espaço para o romance”, avalia. “É uma trama oportuna porque fala do feminino agindo na sociedade.”

 

Dira também atua no filme “Divino Amor”, exibido no festival de Sundance, nos EUA, na semana passada. “[O filme propõe] uma discussão que vale muito a pena a gente ter, da fé e do ser humano. Para onde ela te leva?”. A atriz conversou com a coluna nos Estúdios Globo, no Rio. 

BRASILIDADE

Não vim [para o Rio, aos 17 anos] achando que eu ia estrelar uma novela da Globo. Vim ser atriz, sem essa pretensão. Via poucas pessoas parecidas comigo na TV. O perfil de beleza era bem americanizado. Muito mais do que é hoje. A minha brasilidade representava um nicho de personagens. 

 

Hoje fico muito feliz de perceber que mesmo dentro dessa brasilidade tem uma paleta grande de personagens. Por exemplo, quando fiz “Amores Roubados” [série da Globo em 2014]. [A personagem de Dira] Era uma mulher muito bem sucedida. Mas eu não mudei muito pra fazer, não fui obrigada a pintar o meu cabelo de loiro. Então essa mulher é possível. 

 

Estamos em um processo [de aumento de diversidade de padrões na teledramaturgia]. Acredito que essa tendência de mudança é mundial. Os não brancos estão tentando ganhar representatividade em todos os nichos, e não ficar cerceado por estereótipo.

ATORES ATUANTES

Acho que só se manifesta [politicamente] quem quer. Ninguém é obrigado a nada. 

 

Nós [artistas] acabamos virando um vértice de ataque de parte da sociedade. Temos que lembrar que o Brasil passou por um processo eleitoral no qual o país estava dividido. 

 

Não foi só nessa eleição que eu me coloquei [no ano passado, ela postou mensagens contra o então candidato Jair Bolsonaro (PSL) e declarou voto em Fernando Haddad (PT)]. Sempre participei como cidadã. É natural em mim. 

 

A Lei Rouanet foi usada para criminalizar os artistas. Como todas as outras [leis], ela pode e deve ser atualizada. Mas dizer que ela não é funcional, isso não é real. Quem replica isso está vivendo numa ignorância.

RETROCESSOS

Me preocupo com a ilusão de que a moralidade é capaz de resolver os nossos problemas. 

 

Não adianta ser só contra o racismo. Tem que ser antirracista. Não adianta achar que nós queremos só empoderar as mulheres. Não. Nós precisamos falar de igualdade. De liberdade. De postura perante o que está errado. E não vamos jogar fora tudo o que a gente conquistou. 

 

No Brasil, para se esconder de problemas cruciais, a gente se estabelece em cima de problemas periféricos. Precisamos entender que somos um país machista, racista, preconceituoso e violento. Se a gente esquecesse o futebol e o Carnaval só um pouquinho e dissesse: “Realmente, nós somos isso. Vamos sair dessa sopa”. E qual é a saída disso? A dignidade. Que se dá através de educação, saúde, moradia.

FEMINISMO E ASSÉDIO

[Nunca tive a experiência] de ser coagida, imprensada, trancada [contra a sua vontade]. Mas já fui mexida em situações em que não podia me defender. Na rua, andando, ter que fugir. Tinha 12 anos quando tive o primeiro assédio. Eu e uma amiga estávamos na frente do colégio e um homem ficava manipulando o órgão genital dele pra fora. 

 

Acho que todas as mulheres já passaram por esse tipo de situação. É cotidiano. E é isso o que a gente tem que romper. Mostrar a importância da sororidade, que são mulheres ajudando mulheres. Não é uma disputa. O feminismo é uma tentativa de igualdade entre homens e mulheres. Hoje não somos iguais. No século 21 a gente continua enfrentando problemas do século 18.

 


Não conheço mulher que não passou por uma situação de assédio. Talvez se não passou é porque não sabia que estava passando. O assédio não é só físico. É moral também. 

JOÃO DE DEUS

Acho que todo mundo tinha curiosidade de conhecer Abadiânia [cidade em Goiás onde fica o centro espiritual do médium]. Eu fui porque estava fazendo um trabalho bem próximo e queria conhecer. Foi uma experiência maravilhosa. E pude observar que ele era um homem comum. Isso me chamou a atenção. Estar ali e poder ver os dois lados. 

O que me faz refletir sobre a questão. Pra ter o dom da cura, eu pensava que tinha que ser alguém conectado com a bondade. E isso [as acusações de estupro cometidos por ele] bagunçou o coreto de muita gente, porque você vê um homem que tem um dom e não necessariamente é do bem. Agora, sem dúvida nenhuma, ele é um dos maiores pesadelos que a gente já teve aqui no Brasil. Isso precisa ser apurado. 

DIREITOS HUMANOS

[A atriz dirige a ONG Humanos Direitos, criada em 2003]. Tudo o que você infringe contra um ser humano volta em escala dominó até atingir algo que está em torno de você. Não aceito o que foi proposto pelos novos governantes de criminalizar aquilo que livra várias pessoas da miséria, que é o ativismo do terceiro setor. A palavra ativismo não pode cair na marginalidade. 

2018

Vejo como o ano de maior aprendizado de toda a minha vida. Desejo muito que tudo o que a gente viveu [no ano passado] sirva como combustível para a gente criar um novo normal. Estamos a caminho desse novo normal independente de qualquer governo. É uma pororoca que não vai ser freada. O que nos une é o afeto. Não só pelo Brasil, mas pelo espírito brasileiro. 

IDADE

[Completar 50 anos] Não tem uma chavinha que vira e faz clique. A minha idade é de uma mãe de um filho de dez anos e de um filho de três. Tive o primeiro com 38 anos. Foi natural. Foi prematuro, mas deu tudo certo. E não queria ser mãe de filho único. Tive três gravidezes naturais, mas não foram adiante. Aí decidi fazer uma assistida. E foi a melhor coisa que fiz. O Inácio e o Martim. Tenho idade pra eles. 

ESQUIZOFRENIA E ARTE

Vivemos a era na qual a gente mais se comunica e na qual a gente menos conhece as informações que propagamos. Estamos vivendo uma era esquizofrênica [risos]. A arte é o antídoto contra essa esquizofrenia social, a ignorância. Quando você vê um quadro, um filme ou uma peça, não precisa ter estudado para entender. Aquilo se conecta com a tua alma. Nesse sentido, ela [a arte] é a libertação total. Um lugar onde nós todos somos iguais.

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