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Paixões, desencontros, estabilidade e loucuras segundo Anna Virginia Balloussier, Pedro Mairal, Milly Lacombe e Chico Felitti. Uma pausa nas notícias pra gente lembrar tudo aquilo que também interessa demais.

Descrição de chapéu Relacionamentos

A evangélica Isa ama o próximo sem intolerância religiosa

É sua crença que a torna tão aberta à experiência do outro

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São Paulo

Todo mundo que entra em aplicativo de relacionamento sabe o que é ser dispensado por alguém. É dando fora que se recebe. Faz parte do jogo, Isamara Felicíssimo está ciente disso.

Mas Deus a livre de um "boy" assim. Isa tinha conhecido o rapaz no Tinder. Conversa vai, conversa vem, "em algum momento, não sei por que, falei que era evangélica". A reação foi brutal.

"Ele falou que não suportava evangélicos e desfez o match", conta a carioca de 35 anos. "Já nos encontramos na rua depois disso, em sambas e eventos pretos, e ele não falou comigo."

"Olha que coisa louca, ele é ex-crente", repara. Hoje candomblecista e adepto de relacionamentos não monogâmicos, tem vários versículos bíblicos tatuados e um curso de teologia no currículo. "Não sei o que aconteceu com ele na igreja para ter criado essa aversão a crentes."

Isamara Felicíssimo, 35, é evangélica e se relaciona com homens de religiões afrobrasileiras - Arquivo pessoal

Isa não condiciona o amor ao próximo à sua filiação religiosa. Ao contrário de muitos pares evangélicos, não tem problema algum em trocar beijos e quem sabe planos de vida com pessoas de crenças afrobrasileiras. Pelo contrário. "Não sei o que acontece, mas só me relaciono com gente de religião de matriz africana."

Ela foi criada na Primeira Igreja Batista de Manguinhos, uma comunidade do Rio. A irmã do seu pai é diaconisa até hoje de lá. "Minha irmã é do candomblé e não fala isso na família porque sabe que minha tia vai dizer que ela vai pro inferno e que só Jesus salva."

Isa escutou demais esse mesmo papo, que as fés importadas da África e mescladas com elementos brasileiros "são, basicamente, coisa do diabo". Nem os doces de Cosme e Damião, tradicionalmente distribuídos por gente ligada a terreiro, podia comer quando criança.

O mesmo tipo de intolerância religiosa que levou a primeira-dama Michelle Bolsonaro a compartilhar um vídeo que associa "potestades das trevas" a um ritual do candomblé feito com Lula (PT), o arqui-inimigo do seu marido.

A demonização, veja só, costuma atingir apenas religiões de origem negra, negra como ela. Evangélicos, por exemplo, torcem o nariz para a veneração católica de santos, mas nem por isso os veem como o capeta em pessoa —tratamento dado a orixás e outras entidade s de berço africano.

Isa tem um filho de 10 anos que pode se empanturrar com pé-de-moleque e outras iguarias do Cosme e Damião. Tem também um templo novo, a Nossa Igreja Brasileira, mais progressista do que aquela onde conheceu o Evangelho.

Chegou nela depois de voltar de Angola, onde morou por seis anos. O pai do filho, um católico não praticante, nasceu lá. O casal se separou, e ela procurou uma igreja onde se sentisse menos julgada por um triplo estigma: mulher divorciada, mãe solteira e dona de um tatuadíssimo corpo preto.

O primeiro homem que namorou depois da separação era do candomblé. No começo, admite, achou "tudo muito estranho". O cara era muito ligado à mãe de santo e se consultava com ela para qualquer decisão que fosse tomar. Um filhinho da mamãe em termos espirituais, por assim dizer.

Outra vez, levou o crush para a casa da família. Isa estava no quarto, e ele, mexendo nas plantas com a sogra na sala, deixou escapar que era da umbanda. De repente, a mãe entra e lhe pergunta, olhos arregalados: "Filha, você sabia que ele é macumbeiro?".

Ela sabia e não dava bola. O novo ficante também é do candomblé. Eles se conheceram no Vaca Atolada, um samba da Lapa carioca, numa sexta-feira. Domingo já tinham marcado de se ver de novo.

"Foi engraçado porque ele falou assim: ‘Domingo vou para minha gira e depois a gente se encontra, tudo bem?’. E eu respondi: ‘Vou pro meu culto também’. Ele: 'É sério que você é crente?’."

Seríssimo. Acabaram se vendo numa hamburgueria perto da casa dela, no Méier, bairro da zona norte do Rio onde ninguém "bobéier", como zela um antigo gracejo local.

Ela o escuta falar com tanto encantamento sobre os rituais do candomblé que só consegue vislumbrar coisas lindas. Ficou curiosa de conhecer um terreiro. E se hoje não vê problema algum em se relacionar com homens "sem que a religião seja um problema", credita isso à amizade "de muito amor e cuidado" com tantas mulheres de religiosidade afro.

É justamente sua crença evangélica, diz, que a torna tão aberta à experiência do outro. "Olha, acho que a forma com que Jesus lidava com o diferente é o maior exemplo de como a gente deve lidar com irmãos que professam uma fé diferente. Jesus não apedrejava ninguém, não excluía. Ele acolhia. Fico muito assustada quando vejo pessoas que se dizem cristãs fazerem o oposto disso."

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