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Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

Descrição de chapéu The New York Times

Vida urbana, guerras culturais e teorias da conspiração

Conceito de cidades caminháveis se tornou objeto de teorias da conspiração

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The New York Times

Tenho um apartamento no Upper West Side de Nova York. É uma região muito densamente povoada –segundo dados do censo, a área no raio de 1,6 km da minha casa tem cerca de 24 mil habitantes por km2. Essa população densa (e, para ser honesto, rica) sustenta uma enorme variedade de negócios: restaurantes, mercearias, lojas de ferragens, lojas especializadas de todos os tipos. A maior parte do que você pode querer fazer ou comprar está a curta distância.

Na verdade, então, eu moro no que alguns europeus –principalmente Anne Hidalgo, a prefeita de Paris– chamam de "cidade de 15 minutos". É um nome interessante, embora um pouco enganador, para um conceito que os urbanistas defendem há muito tempo: cidades caminháveis, que aproveitam as possibilidades da densidade.

Mas, sendo a política moderna o que é, infelizmente, também é um conceito que foi capturado nas guerras culturais e se tornou objeto de loucas teorias da conspiração. E, como sempre, as pessoas que gritam mais alto sobre "liberdade" são, na verdade, as que querem praticar coerção, impedindo que outros americanos vivam de maneiras que eles desaprovam.

Antes de entrar na política, algumas palavras sobre como é viver numa cidade de 15 minutos, e em Nova York em geral.

Prédios do Upper West Side refletidos na água do reservatório Jackie Kennedy Oasis, no Central Park, em Nova York - AdobeStock

O que as pessoas que não experimentaram um estilo de vida urbano real geralmente não entendem é como a vida é fácil. Executar tarefas é um piscar de olhos; como você vai a pé à maioria dos lugares, não se preocupa com engarrafamentos ou vagas de estacionamento.

Você pode pensar que o preço dessa conveniência é encarar um barulho constante e multidões de estranhos. Mas enquanto as principais vias norte-sul –no meu caso, Broadway, Amsterdam e Columbus– são bastante barulhentas e têm muito tráfego de veículos e pedestres, as ruas laterais são muito mais silenciosas do que você provavelmente imagina.

E o crime? Há uma percepção generalizada de que Nova York é um lugar perigoso. Em seu discurso no sábado (4) na Conferência de Ação Política Conservadora, Donald Trump afirmou que "os assassinatos estão ocorrendo em um número como ninguém jamais viu em Manhattan". No entanto, a realidade é que Nova York é um dos lugares mais seguros dos Estados Unidos. Sem dúvida, os próprios nova-iorquinos ficaram extremamente contrariados com o aumento da taxa de criminalidade durante a pandemia, mas esse aumento pode estar diminuindo, com os assassinatos, particularmente, caindo ao nível mais baixo desde 2019.

E a segurança comprovada nas estatísticas também é a experiência vivida em muitas áreas da cidade onde os nova-iorquinos não agem como se tivessem medo da criminalidade. Algumas noites atrás, voltei para casa depois de um evento à 0h30; havia pessoas circulando, e nenhum senso de ameaça.

Estou fazendo proselitismo? Bem, sim. A maioria dos americanos –mesmo aqueles que visitaram Nova York, mas viram pouco além das multidões na Times Square– tem uma noção distorcida de como pode ser a vida urbana. Mas muito poucos promotores da cidade de 15 minutos defenderiam a obrigatoriedade desse estilo de vida à população em geral. É mais uma questão de possibilitar que as pessoas vivam dessa maneira, se assim o desejarem.

É aí que entram as guerras culturais e as teorias da conspiração.

Já observei que há uma regra não escrita na política americana de que é normal os políticos menosprezarem as grandes cidades e seus residentes de uma forma que seria considerada imperdoável se fizessem o mesmo nas áreas rurais. As falsas alegações de Trump sobre o crime não foram tão incomuns. Parece haver uma sensação generalizada de que apenas as pessoas que vivem um estilo de vida centrado no carro, ou um estilo de vida centrado na caminhonete, são verdadeiros americanos.

Isso, por sua vez, alimenta a teoria da conspiração. Tornar possíveis as cidades caminháveis requer afrouxar e apertar as restrições ao desenvolvimento urbano: as localidades teriam que permitir mais construção de habitações multifamiliares e edifícios de vários andares, enquanto restringiriam o tráfego de carros em certas áreas.

De maneira notável, a direita consegue ver tanto a regulamentação mais flexível quanto a mais rígida como conspirações esquerdistas.

O grande documento orçamentário atualmente popular entre os republicanos da Câmara leva um tempo apoiando as proibições locais de moradias multifamiliares, alegando que as proibições ajudam a preservar nossos "belos subúrbios". (Atualmente, até documentos fiscais soam como discursos de Trump.)

Quanto às restrições de trânsito, pelo menos algumas pessoas da direita conseguiram se convencer de que são uma conspiração para trancar as pessoas em seus bairros, sem permissão para sair. Comentaristas um pouco menos malucos, como o filósofo pop Jordan Peterson, chamam as restrições de tráfego de um plano de "burocratas tirânicos" para ditar onde você pode dirigir um carro.

Na verdade, existem muitos lugares em que todos concordam que não deveria ser permitido dirigir –por exemplo, em terras plantadas–, porque isso imporia custos a outras pessoas. Os custos que você impõe aos outros ao dirigir numa área urbana e, assim, piorar o congestionamento são tão reais quanto esse, mas de alguma forma colocar limites no tráfego urbano é tirania.

Mas é claro que nada disso é uma discussão racional.

Não sei quantos americanos escolheriam o estilo de vida de uma cidade caminhável se estivesse amplamente disponível, mas certamente muitos mais do que o vivem hoje. Infelizmente, o planejamento urbano –pois as cidades são sempre planejadas, de uma forma ou de outra– é mais uma vítima da política da reclamação e paranoia.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

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