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Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

Parasita da toxoplasmose influencia comportamento de lobos, que viram chefes da matilha

Toxoplasma gondii afeta também roedores e faz eles perderem o medo profundo que normalmente sentem ao farejar xixi de gato

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Nada me tira da cabeça que o maior craque do mundo dos parasitas, o Pelé das criaturas que vivem de manipular formas maiores e supostamente mais complexas de vida, é um sujeitinho matreiro chamado Toxoplasma gondii.

Formado por uma única célula, o causador da toxoplasmose domina duas estratégias aparentemente contraditórias entre si. De um lado, ele faz de tudo para passar despercebido. Até onde sabemos, esse micro-organismo afeta entre um terço e metade da população humana mundial, para não falar dos membros de diversas outras espécies de sangue quente. No entanto, é muito raro que cause algum problema de saúde mais sério em suas vítimas —riscos reais só aparecem quando ele infecta mulheres grávidas, crianças pequenas ou pessoas com sistema imune (de defesa) enfraquecido por outras razões, como a Aids.

No entanto, evidências obtidas principalmente com outros mamíferos indicam que o T. gondii é um especialista em lavagem cerebral, instalando-se no sistema nervoso dos hospedeiros. Afinal, que outra coisa poderia explicar o fato de que roedores que o carregam em seu organismo perdem o medo profundo que normalmente sentem ao farejar xixi de gato? Coisas parecidas já foram verificadas em outros animais —o micróbio é capaz de produzir um destemor totalmente antinatural em suas vítimas.

Lobo reintroduzido no parque Yellowstone - Barry O'Neill/Wikimedia commons

Como é que pode? Bem, acontece que, apesar de conseguir infectar tudo quanto é espécie, o T. gondii tem necessidades bem mais específicas quando chega a hora de ele se reproduzir sexualmente (embora também consiga se propagar de forma assexuada). Conforme dizia certo pesquisador que permanecerá anônimo, tudo o que o Toxoplasma quer é transar nas tripas de um gato.

Ou de qualquer outro felino, pelo que sabemos. A reprodução sexual no sistema digestivo desses predadores é um passo essencial de seu ciclo de vida. Está explicado, portanto, porque ele faz os roedores perderem seu medo de gato: é para que sejam comidos —e transmitidos para os bichanos.

O capítulo mais recente dessa história é ainda mais bizarro. Pesquisadores nos EUA, liderados por Connor Meyer, da Universidade de Montana, mostraram que nem os lobos do célebre Parque Nacional de Yellowstone escapam das artimanhas de controle mental do T. gondii. Nos bandos de lobos do parque, os indivíduos que carregam o parasita em seu organismo são, disparado, os que mais tendem a deixar seu bando natal e os que mais probabilidade têm de se tornar líderes da matilha.

Os dados, que acabam de sair na revista especializada Communications Biology, são resultado de um monitoramento que já dura quase duas décadas. A equipe identificou a presença ou ausência de anticorpos gerados pelo T. gondii no organismo de mais de 200 lobos do parque. Tudo indica que os animais estão sendo infectados pelo contato direto ou indireto com as onças-pardas (Puma concolor) que habitam Yellowstone —felinos, portanto, e hospedeiros preferenciais do parasita. De fato, os lobos que ocupam territórios que também são frequentados pelas onças-pardas têm probabilidade maior de carregar o T. gondii em seu organismo.

É difícil não se perguntar se um manipulador tão insidioso quanto esse não poderia estar causando efeitos semelhantes em seres humanos. Os indícios a esse respeito ainda são esparsos, embora alguns pesquisadores especulem que certos problemas de saúde mental poderiam estar associados à infecção. Enquanto as respostas não vêm, vale a pena aprender com os lobos: nunca subestime os poderes de um parasita microscópico.

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