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Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Armas secretas de quatro patas

Animais domésticos são maiores responsáveis por poderio militar e econômico dos povos do Velho Mundo no passado

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Nesta coluna, como os que me leem bem sabem, a gente não tem medo das questões fundamentais sobre a vida, o Universo e tudo o mais. Por exemplo: quando as civilizações do planeta estavam começando a se desenvolver, qual foi o elemento mais crucial para a trajetória futura delas em termos comparativos? Trocando em miúdos, qual foi o "ingrediente secreto" que fez com que os povos do Velho Mundo acabassem se tornando mais poderosos que os do Novo Mundo do ponto de vista militar e econômico? Minha imaginação hiperativa consegue até visualizar as possíveis respostas na cabeça de vocês: Revolução Científica? Pólvora? Navios a vela? Metalurgia do ferro?

Tudo isso teve algum impacto, não há a menor dúvida, mas nada me tira da cabeça que a resposta mais precisa envolve algo muito mais básico. Vacas, porcos e cavalos, entre outros mamíferos domésticos de grande porte, foram o verdadeiro fiel da balança no confronto civilizacional.

Desenho feito por indígenas mostrando ataque dos espanhóis no México no século 16 - Wkimedia

De fato, uma coisa que deveria saltar aos olhos de qualquer um que analisa as vidas paralelas das sociedades do Velho e do Novo Mundo é o fato de que só duas espécies de mamíferos de grande porte foram domesticadas do lado de cá do oceano. ("Mamíferos de grande porte" costumam ser definidos, de forma um tanto arbitrária, como os que pesam 50 kg ou mais.) Ambas essas espécies domésticas americanas, as lhamas (Lama glama) e as alpacas (Lama pacos), são bichos de parentesco próximo entre si, do grupo dos camelos e nativos de um ambiente sul-americano bastante específico, os Andes.

A comparação com a Eurásia chega a ser covardia —só com as espécies de camelos (duas) já há um empate com as Américas. Mas não há razão para imaginar que, por algum motivo, os indígenas eram menos hábeis no processo de domesticação de animais do que os asiáticos e europeus. O problema por aqui era falta de matéria-prima.

Até o fim da Era do Gelo, por exemplo, a América do Sul tinha tantos mamíferos de grande porte quanto o Velho Mundo. Havia bandos de cavalos, lhamas, parentes dos elefantes e preguiças-gigantes em todo o Brasil. Por razões que ainda são muito discutidas, esses animais desapareceram 10 mil anos atrás. Os poucos animais grandes que sobraram eram, em geral, solitários e noturnos —domesticar uma anta ou um cervo-do-pantanal, por exemplo, não faz muito sentido porque não dá para criar rebanhos deles.

No Velho Mundo, foi a convivência próxima dos criadores de animais com seus bichos que gestou quase todas as doenças infecciosas mais devastadoras da história —sarampo, varíola, gripe e por aí vai, que surgiram como zoonoses (doenças transmitidas de animais para humanos). Após milênios, as populações da Eurásia desenvolveram algum grau de resistência a essas doenças —uma resistência que simplesmente inexistia nas Américas. Portanto, a maior causa de morte dos indígenas após 1500, as moléstias infecciosas, é resultado direto da domesticação de animais.

Puxando arados, carroças ou simplesmente emprestando o próprio lombo, os animais domésticos da Eurásia multiplicaram tremendamente a capacidade de seus donos de produzir alimentos e transportar bens por longas distâncias. No caso dos cavalos, viraram os tanques de guerra pré-modernos.

Tudo isso produziu sociedades mais conectadas, ricas e capazes de guerrear em larga escala do que as que surgiram nas Américas. Vale ressaltar, mais uma vez: tudo isso se deu por puro acidente biogeográfico. Sem as extinções de mamíferos americanos, as coisas poderiam ter sido muito diferentes. A "superioridade" europeia é uma miragem pintada pela sorte.

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