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Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

Problema do agro é achar que suas soluções são imutáveis quando as regras do jogo mudaram

Estamos diante de uma solução temporária que quer se entronizar como perpétua

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O agro acha que tem um "problema de imagem" (apesar de ter gastado os tubos com propaganda para tentar convencer-nos a todos de que seria "pop", "tech" e até "tudo"). O último chilique de seus representantes veio após questões supostamente doutrinadoras no Enem deste ano, as quais impediriam os pobres egressos do ensino médio de enxergar o quanto o agronegócio brasileiro é maravilhoso.

OK, eu me permiti empregar sarcasmo de forma quiçá desmedida no parágrafo anterior, em parte porque é sempre engraçado ver gente com tanto poder econômico e político espernear feito criança birrenta. É engraçado, repito, mas não esclarece muita coisa.

Plantações de soja em região de cerrado no alto da Chapada Gaúcha (MG), no limite do Parque Nacional Grande Sertão Veredas - Lalo de Almeida - 2.dez.2021/Folhapress

O problema central das reações do agronegócio a críticas, e da maneira como ele está inserido na economia brasileira e mundial, é essencialmente o seguinte: estamos diante de uma solução temporária que quer se entronizar como solução perpétua. Spoiler: não vai funcionar. E será melhor para todos os envolvidos que reconheçamos isso o mais cedo possível.

Primeiro, dando a mão à palmatória, acho difícil negar que o atual modelo de produção agrícola em larga escala teve um papel importante na redução da segurança alimentar mundo afora –ao menos quando pensamos em termos de calorias brutas produzidas e consumidas. A chamada Revolução Verde dos anos 1950 e 1960 pode ter salvado 1 bilhão de pessoas de morrer de fome e fez com que, em média, os habitantes dos países em desenvolvimento hoje consumam 25% mais calorias do que seus avós.

As bases da Revolução Verde são, ainda hoje, os pilares sobre os quais o agro se apoia. Sementes híbridas de alto rendimento, uso generoso de agrotóxicos e fertilizantes químicos, irrigação, mecanização –e, cada vez mais, cultivares transgênicos também. (Por ora, aliás, não há razão alguma para achar que os plantios geneticamente modificados representam algum risco extra para o consumo humano e para a biodiversidade.)

O problema é que, cada vez mais, a conta do sucesso da Revolução Verde está chegando. Trata-se de um modelo naturalmente concentrador em termos de capital e lucro, que recompensa a intensificação (o que pode até ser bom do ponto de vista de áreas naturais que ainda não têm uso agrícola), mas também a expansão (o que é má notícia para essas áreas). E também é um modelo que facilita consideravelmente a produção de proteína animal em grande escala.

O impacto climático dessa lógica bem amarrada é elevado porque ela é extremamente dependente de energia fóssil –no maquinário, nos fertilizantes e inseticidas. Os fertilizantes têm mexido com o ciclo natural de nutrientes como o nitrogênio, enquanto a explosão de biomassa animal, em especial na forma de carne bovina, também tem como subproduto mais repercussões negativas sobre o clima. E os mesmos processos afetam a biodiversidade com mão de ferro, em especial em países tropicais em que grilar terra desmatada e enchê-la de boi é mamão com açúcar, como o nosso.

É natural que o agro se aferre às suas vitórias do passado e à sua influência presente. Seres humanos não costumam abrir mão desse tipo de poder, sejam eles quem forem. Mas qualquer análise desapaixonada dos fatos deveria nos levar a compreender que o agronegócio, no modelo que tem hoje, é um andaime. Um andaime que nos ajudou a construir a casa, mas que hoje coloca a estrutura dela, e a nossa segurança, em risco. É preciso colocar outra coisa no lugar, por mais que haja choro e ranger de dentes.

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