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Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

Descrição de chapéu Natal

Genealogias divergentes de Jesus mostram multiplicidade de visões sobre papel de Messias

Somente Mateus e Lucas tratam do nascimento de Jesus

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"Livro da origem de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão": antes de falar de José e Maria, da estrela de Belém, dos magos e do perverso rei Herodes, é assim que o evangelista Mateus começa a narrativa que está na origem do Natal: com a genealogia de Jesus.

Entre os quatro Evangelhos canônicos ("oficiais") da Bíblia cristã, o nascimento e os primeiros anos de vida de Jesus só são abordados por mais um evangelista, Lucas. Ele prefere deixar a genealogia do Nazareno para mais tarde, no capítulo 3, quando Cristo inicia sua pregação.

Curiosamente, enquanto Mateus faz o que a gente está acostumado a esperar de uma genealogia —começa com os ancestrais mais antigos e se aproxima do presente—, Lucas, um tanto barroco, segue o caminho inverso, principiando com Jesus e voltando rumo ao passado.

Presépio confeccionado por artistas locais na cidade de Tiradentes (MG) - Helena Leão/Divulgação

Mas as diferenças são muito mais profundas e interessantes do que isso. O fato é que as genealogias, em grande parte, não batem. Nomes e números de gerações se contradizem. E essa é a pista perfeita para entender que não estamos diante de registros históricos —ao menos não da maneira como os entendemos hoje. Cada um à sua maneira, os evangelistas querem explicar "quem é Jesus" no sentido mais profundo, e não apresentar o RG de Cristo ao leitor.

Ambos, é verdade, primam pela simetria. Mateus estrutura sua genealogia em três grandes blocos de 14 gerações (42 no total, ou, para ser exato, 41; parece que o primeiro evangelista omite um nome do último bloco); Lucas, em 77 gerações. Em ambos os casos, são múltiplos de 7, um dos "números perfeitos" da Antiguidade.

A diferença no número de gerações é parcialmente explicada pelo fato de que, enquanto Mateus usa Abraão, ancestral do povo de Israel, como o iniciador da linhagem de Jesus, Lucas remonta a origem de Cristo até Adão, o primeiro ser humano, e ao próprio Deus (dizendo que Adão, como Jesus, era "filho de Deus").

Tradicionalmente, a divergência de perspectivas é explicada pela ênfase dada à tradição judaica no Evangelho de Mateus: nele, Jesus seria o novo Moisés, um Messias plena e orgulhosamente israelita. Lucas, por outro lado, escrevendo para cristãos de origem pagã (não judaica), enfatiza os elos de seu personagem central com toda a humanidade, desde a criação do mundo.

Faz sentido, mas Mateus tampouco está totalmente alheio ao universalismo de Jesus, já que sua genealogia é a única a citar, como ancestrais de Cristo, três mulheres —Tamar, Raab e Rute— que não eram judias/israelitas, mas se uniram a antepassados do rei Davi.

Por falar nele, é a partir desse monarca que Mateus e Lucas ganham diferenças irreconciliáveis. Enquanto para o primeiro evangelista Jesus descende de Davi, de seu sucessor Salomão e de todos os reis que vieram depois deles, Lucas coloca outro filho de Davi, Natã —nunca coroado— na linhagem do Nazareno. Na narrativa lucana, ao menos nesse ponto, a herança do trono de Israel parece importar menos.

(Um parêntese rápido: não adianta tentar resolver essa incompatibilidade sugerindo que uma das genealogias é a que desemboca em Maria. Ambas as sequências de ancestrais chegam a José, visto como pai adotivo/legal de Jesus, e não à esposa do carpinteiro.)

Como cristão, prefiro enxergar as diferenças como fontes de enriquecimento teológico, e não de perplexidade. Jesus é tanto profundamente judeu quanto universal. Para Lucas, ele nasceu na manjedoura; para Mateus, teve de fugir de Herodes. Ambas as histórias enfatizam, cada uma à sua maneira, a identificação da criança com os menores entre nós: o poder de Deus que se revela na fraqueza e recusa toda dominação e toda violência. Feliz Natal a todos!

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