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Moises Rabinovici

Israel em crise no tempo mais trágico do judaísmo

Manifestantes antigoverno reclamam pertencimento ao país que construíram

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Moises Rabinovici

Jornalista, foi correspondente no Oriente Médio, nos Estados Unidos e na França

Os judeus ultra-ortodoxos que estão levando Israel à beira do abismo, com a coalizão de extrema direita do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, deveriam ser os primeiros a temer os próximos dias 26 e 27 de julho, o "Tishá B’Av", o nove do mês de Av no calendário hebraico, que marca a destruição dos dois templos de Jerusalém, em 586 a.C. e no ano 70 da era cristã, e a expulsão dos judeus da Inglaterra (1290) e da Espanha (1492). É o dia mais triste e trágico do calendário judaico, observado com um jejum de 24 horas.

Os nacionalistas religiosos judeus estão pressionando Israel a anexar a Cisjordânia, a que chamam pelos nomes bíblicos de Judeia e Samaria. Querem uma teocracia; não democracia. Estão atacando palestinos em suas cidades, destruindo suas plantações, queimando seus carros e incendiando suas casas, sem que sejam impedidos ou punidos.

Não foram eles os fundadores de Israel. Foram os judeus seculares — antes, durante e depois de 1948, a Independência, e até 1977, a eleição do primeiro governo de direita. Esses israelenses nas ruas protestando contra a atual ameaça à democracia sustentam, pagando impostos, a agora poderosa comunidade ultra-ortodoxa, isenta do serviço militar e que se limita a estudar a Torá, o livro sagrado do judaísmo. Foi o primeiro-ministro Netanyahu quem lhes deu força e poder, nomeando ministro da Segurança Nacional o extremista Ben Gvir, banido do Exército, e que ostentava em sua casa o retrato de Baruch Goldenstein, judeu imigrante dos EUA que matou 29 palestinos numa mesquita da Cisjordânia, em 1994. Ele também alçou ao Ministério das Finanças o líder do partido religioso sionista, Bezalel Smotrich, para quem não existe povo palestino.

Manifestantes marcham com bandeiras israelenses durante um protesto contra o projeto de reforma judicial do governo israelense em Tel Aviv - Ahmad Gharabli/AFP

Nem o antigo primeiro-ministro Menachem Beguin, o primeiro à direita e radical eleito em Israel, em 1977, ousou tanto quanto, hoje, o governo de Netanhyahu.

Os manifestantes antigoverno reclamam que querem pertencer ao país que eles construíram e que defenderam em várias guerras. São o PIB nacional. A grande maioria é do setor de alta tecnologia, finanças, negócios, medicina, juízes e advogados, inteligência militar, força aérea e naval. Sem eles, Israel não existe. Por vídeo, na segunda-feira, Netanyahu argumentou: o plano "não é o fim da democracia, mas sim o reforço da democracia. A independência dos tribunais e os direitos civis em Israel não serão prejudicados de forma alguma".

A dúvida está nas ruas, entre os manifestantes. Eles querem manter o controle sobre o poder do governo, dado a excessos. Querem que Netanyahu seja julgado nos dois processos de corrupção abertos contra ele, há três anos. Temem que, limitada a Justiça, ele substitua o procurador-geral Gali Baharav-Miara por outro amigo que o absolverá. O chefe da Polícia, Amid Eshed, demitiu-se, acusando Itamar Ben Gvir de lhe pedir para lotar o hospital Ichilov de manifestantes feridos. O presidente Joe Biden disse à CNN no início desta semana que o atual governo israelense tinha "um dos membros mais extremistas dos gabinetes" que ele já tinha visto. E pediu a Netanyahu que "continue a se mover em direção à moderação". O ex-ministro da Defesa, Benny Gantz, juntou-se aos manifestantes da rua Kaplan, em Tel Aviv. Num momento, dirigiu-se a um policial: "Não são inimigos. Não se deve usar esta força contra os cidadãos".

O líder da oposição israelense, Yair Lapid, invocou a destruição do Segundo Templo, de que resta hoje apenas o Muro das Lamentações: "A verdadeira lição da história da destruição, dos dias finais, é que os extremistas nunca veem ou querem ver as consequências de suas ações." O nove do mês de Av é daqui a duas semanas.

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