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Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

Transformações trazidas por ascensão e queda de Roma marcaram DNA de povos da Europa Oriental

Novo estudo genômico traz algumas respostas fascinantes e complicadas

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Imagine uma época na qual os homens mais poderosos do mundo costumavam nascer não em Nova York, Londres ou Pequim, mas em vilas militares das atuais Sérvia e Croácia. Bem, era assim o século 3º d.C., quando uma sucessão de imperadores romanos (entre os quais Diocleciano, o maior perseguidor dos cristãos, e Constantino, que adotou a fé em Jesus) veio justamente dessa região da Europa Oriental.

Do nosso ponto de vista, de fato, é estranho imaginar quão profundamente "romanizada" estavam essa área e as regiões vizinhas. Todo mundo ali falava uma variante popular do latim, por exemplo —a prova disso é a existência do atual idioma romeno, cuja semelhança com a palavra "romano" está longe de ser casual, é claro. Hoje, porém, o romeno é uma ilha cercada por línguas bem diferentes por todos os lados, entre as quais se destacam os idiomas eslavos, como o próprio sérvio-croata (a rigor, sérvios e croatas falam dialetos da mesma língua), o búlgaro e o ucraniano.

O que, é claro, deixa uma série de mistérios no ar. Como a terra natal de Constantino e Diocleciano deixou o latim de lado? E, enquanto o Império Romano durou, qual foi exatamente o impacto de Roma nos povos que viviam ali?

Palácio romano em Split, na Croácia - Bernard Gagnon/Wikimedia Commons

Um novo estudo genômico traz algumas respostas fascinantes e complicadas para essas e outras perguntas. A pesquisa, liderada por Iñigo Olalde, da Universidade do País Basco, Carles Lalueza-Fox, da Universidade Pompeu Fabra (ambas na Espanha), e David Reich, da Universidade Harvard (EUA), acabou de sair na revista especializada Cell. O trio e seus colegas analisaram o DNA de 136 pessoas que viveram na região entre o auge do poderio de Roma (a partir da época do nascimento de Cristo) e o período pós-romano (que começa por volta de 550 d.C., quando a área sai do controle do Império Romano do Oriente, sediado em Constantinopla – a atual Istambul).

Uma pergunta básica que arqueólogos e historiadores sempre se fazem é: até que ponto grandes mudanças políticas –como a conquista de um território por um grande império, digamos, ou a queda desse império– acabam se refletindo na composição de uma população? No caso em questão, será que os romanos se mudaram em massa para a Europa Oriental após a conquista, ou o que predominou foi o processo pelo qual a população local se tornou culturalmente romana?

Bem, o DNA antigo mostra uma série de coisas interessantes. Primeiro, o domínio de Roma parece não ter trazido imigrantes da Itália para as atuais Sérvia e Croácia. Mas gente oriunda das atuais Turquia e Síria (também dominadas pelos romanos) parece ter vindo para a região em números consideráveis. Há indícios mais modestos de imigrantes do atual norte da África (outra área conquistada pelo império) e, curiosamente, até da África Oriental (de regiões como a Etiópia e a Eritreia). Roma, portanto, "globalizou" geneticamente a região, mas não com o seu próprio povo.

Por volta da época de Constantino e nas décadas seguintes, vemos a chegada de um componente genético típico do norte e do centro da Europa, possivelmente associado a tribos germânicas, como os godos, que estavam guerreando e também se aliando com Roma nessa época. Mas essa contribuição é praticamente apagada a partir de 700 d.C., com a chegada de grupos falantes dos idiomas eslavos, numa migração que incluía tanto homens quanto mulheres em proporções similares.

Calcula-se que metade ou mais da herança genética dos países da região que hoje falam idiomas eslavos veio desse movimento populacional. E o impulso atingiu até a Grécia e suas ilhas, em que a contribuição genética desses povos parece ter ficado entre 30% e 20%.

É difícil imaginar uma transformação tão grande num mundo que parecia tão poderoso e sólido quanto o império regido por Constantino. Com a distância dos séculos, porém, o que fica é um fato inescapável: nações "puras" e "eternas" são uma ilusão –na nossa espécie, as misturas de genes, línguas e culturas sempre prevalecem.

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