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Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

Tanto faz ser ateu climático: a crise do clima acredita em você

Até quem duvida das raízes do problema deveria perceber que está na hora de agir

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"Nunca vi uma coisa dessas" é uma frase pronta que tem se tornado cada vez mais aplicável nos últimos tempos quando o assunto é clima. Observei seu uso repetidas vezes diante da situação trágica das enchentes no Rio Grande do Sul nos últimos dias, por exemplo. Mas nem preciso ir tão longe.

Basta olhar o aplicativo de previsão do tempo no meu celular. O outono deveria estar começando a dar lugar ao inverno, mas não há nenhuma máxima abaixo dos 30ºC, nem nenhuma mínima abaixo dos 18oC, pelos próximos dez dias. (Os dez dias passados foram a mesma coisa.) O aplicativo avisa que, nas máximas, estamos 6oC acima da média para esta época do ano no glorioso interior paulista. É, eu percebi.

Imagem de drone da área alagada em Lajeado (RS) - Jeff Botega/Agência RBS

"Esse aplicativo não prova nada! Prova só que você é um aquecimentista safado!", urrará uma legião de gente que nega a realidade da emergência climática que atravessamos. Há muitos deles no Rio Grande do Sul, inclusive, assim como os há aqui perto de mim ou em tudo quanto é canto do planeta. É desumano achar que os habitantes de qualquer lugar "merecem" cenários como o enfrentado pelos gaúchos neste momento por causa da prevalência de crenças equivocadas.

Digo isso porque crenças de indivíduos nunca foram o mais importante nessa questão, e menos ainda agora, com a água (metafórica ou real) subindo até se aproximar do nosso pescoço. Você pode ser "ateu da mudança climática" o quanto quiser: ela vai continuar acreditando em você.

Em outras palavras, é perfeitamente possível ser agnóstico quanto às causas do problema e, ainda assim, perceber que 1) temos visto eventos climáticos se encavalando com frequência crescente e 2) estamos ridiculamente despreparados para enfrentá-los. Qualquer agente racional deveria ser capaz de tirar o bumbum da cadeira e remediar esse despreparo.

É ingênuo esperar que a população como um todo se comporte como esse agente racional, porém. O avanço da extrema direita global, por exemplo, transformou a negação do problema num dos elementos centrais do pacote fechado de sua política identitária reaça. Ou as pessoas compram a ideia de que não existe mudança climática, ou ficam de fora do grupo. Por isso mesmo, não há argumento que vá convencê-las (algumas delas certamente aparecerão nos comentários desta coluna, aliás). E há, claro, o peso dos interesses econômicos e da simples inércia para manter as coisas como estão.

Dos representantes do poder público, porém, pode-se e deve-se esperar mais do que isso. O mínimo que se exige deles é a capacidade de reconhecer os fatos e um plano para lidar com eles.

Qualquer governo municipal, estadual ou federal que não esteja levando em conta, desde o primeiro dia, que situações como as dos últimos anos têm tudo para se tornar a regra, e não a exceção, não merece ouvir mais um só apito de urna eletrônica. E isso implica pensar em soluções que podem soar radicais, mas terão consequências muito menos severas do que as oriundas da nossa mania nacional de enxugar gelo.

Quem está no poder também não tem mais desculpa para se agarrar à fantasia de que nosso desmame dos combustíveis fósseis só vai acontecer quando entrarmos para o Primeiro Mundo (spoiler: petróleo nunca garantiu desenvolvimento), ou de que a pujança do agronegócio brasileiro vai continuar intacta num mundo muito mais quente (spoiler: não vai). Ainda que uma transição energética brasileira, sozinha, esteja longe de resolver o problema, é uma molecagem mortífera fingir que a nossa inação não causará mal algum.

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