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Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

Sem sexo há milhões de anos, invertebrado importa DNA para produzir antibiótico

Bdeloides são recicladores contumazes do material genético alheio e parte desse DNA importado contém a receita para a produção de antibióticos bastante incomuns

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Lidar com abstinência sexual involuntária não é nada fácil. Quanto mais o tempo passa, mais o sujeito se sente tentado a práticas nada ortodoxas para dar um jeito no problema. Por exemplo, emprestar DNA de bactérias e inseri-lo no próprio genoma —nitidamente coisa de quem já ultrapassou todos os limites do desespero.

Pudera: pelo que sabemos, os pobres celibatários de que estamos falando não sabem o que é sexo há 25 milhões de anos. Refiro-me aos rotíferos bdeloides, invertebrados menores que a espessura de um fio de cabelo —uma das esquisitices mais interessantes já produzidas pela evolução. O nome complicado pode ser traduzido como "animais-roda rastejantes".

Rotífero bdeloide, invertebrado menor que a espessura de um fio de cabelo - Divulgação

Já se sabia que os bdeloides são recicladores contumazes do material genético alheio, incorporando DNA de espécies de fora do reino animal em seu genoma com alguma frequência. Um novo estudo indica que essa prática aparentemente disparatada faz, na verdade, todo o sentido do mundo.

Ocorre que parte desse DNA surrupiado contém a receita para a produção de antibióticos bastante incomuns, que ajudam os bichinhos a enfrentar infecções, exatamente como o antibiótico que você compra na farmácia quando está com dor de ouvido.

Os detalhes da descoberta estão descritos na revista especializada Nature Communications. A equipe coordenada por Christopher Wilson, da Universidade de Oxford (Reino Unido), submeteu os bdeloides pertencentes a duas espécies do mesmo gênero, com o nome científico Adineta, ao ataque de um fungo capaz de causar doenças neles.

No entanto, eles tomaram o cuidado de escolher espécies que diferem no grau de resistência ao fungo —um dos Adineta é naturalmente mais resiliente diante do micróbio do que o outro. Próximo passo: monitorar o padrão de ativação dos genes de ambos os bdeloides quando expostos ao patógeno (causador de doenças).

O resultado é que a espécie resistente ao fungo apresentou uma intensa ativação em certas áreas de seu DNA que tinham sido originalmente emprestadas de bactérias. Isso significa que as células do bdeloide estavam "lendo" esses trechos de material genético para produzir moléculas com base nele –moléculas que correspondem a antibióticos com potente ação contra o micróbio invasor.

Por que justamente essas áreas emprestadas são tão importantes? Isso nos leva de volta à abstinência sexual evolutiva. Como os bdeloides se reproduzem de forma assexuada, o processo de mistura do DNA do pai e da mãe que é tão importante para a manutenção da diversidade genética na maioria dos animais não está acontecendo no caso deles.

Ora, é justamente essa variabilidade genética que é uma das chaves para a resistência a micro-organismos causadores de doenças. Espécies muito homogêneas geneticamente —o que deveria ser o caso dos bdeloides— ficam vulneráveis a epidemias. Segundo Wilson e seus colegas, é possível que a capacidade de incorporar DNA de outrem com tanta facilidade seja um jeito de enfrentar as desvantagens do perpétuo celibato.

É claro que mais estudos serão necessários para comprovar a ideia. Mesmo que isso não ocorra, porém, há outro elemento um bocado interessante nessa história. Os bdeloides, com o passar do tempo, adaptaram o DNA originalmente bacteriano que contém a receita para a produção dos antibióticos. É algo que, com sorte, pode inspirar a produção de antibióticos mais eficazes e menos tóxicos para seres humanos no futuro. Eis um tipo produtivo de celibato.

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