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Roteirista e autor de “Diário da Dilma”. Dirigiu o documentário “Uma Noite em 67”.

E se o golpe desse certo?

Um exercício de imaginação de como seria um dia no Brasil em 2024

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Adalgisa acordou cedo, exausta. Desde outubro de 2023, o governo havia proibido a Novalgina alegando que o remédio desencadeava uma mutação no DNA que habilitava uma conexão Bluetooth do pâncreas, pareando-o com celulares chineses.

As dores de cabeça de Adalgisa estavam cada vez mais frequentes. E a cloroquina não estava surtindo efeito. Seu filho Tobias estava com sarampo. E a cloroquina tampouco surtia efeito no tratamento. Deprimida, Adalgisa passou a tomar cloroquina para estabilizar seu humor. Em vão.

Ilustração de Débora Gonzales para coluna de Renato Terra de 12 de janeiro de 2024 - Folhapress

Ainda reverberava na memória de Adalgisa o patriótico pronunciamento em que o sultão Jair Bolsonaro revolucionou o Sistema Único de Saúde no Brasil. "Acabou a palhaçada. Parem de depender do Estado para tratar a saúde, porra. ‘Ain, tô doentinho e vou procurar um médico.’ Mimimi! E a economia, porra? Para que SUS quando se tem WhatsApp? Eu não sou enfermeiro!"

O pronunciamento provocou efeito imediato. Uma multidão acampou na porta dos hospitais públicos bradando contra a "cubanização da saúde". O príncipe Charles Bolsonaro cunhou o lema da rebelião: "Isentões diplomados, o teatro dos bisturis. Diagnóstico: não é virose. É comunismo. Che Guevara foi médico!".

A saúde pública foi proibida.

Adalgisa não viu outra opção senão consultar o WhatsApp. Acabou descobrindo que as dores de cabeça foram criadas por George Soros para impor o marxismo diretamente no córtex cerebral por ondas eletromagnéticas. O tratamento indicado: usar um capacete revestido com papel laminado.

De banho tomado, Adalgisa pode, enfim, preparar seu café da manhã com o capacete na cabeça. Como o preço dos alimentos estava proibitivo, o sultão Jair Bolsonaro orientou a população a fazer uma refeição por dia. "Para que essa frescura comunista de café da manhã, almoço e jantar, porra? Tá com fome? E daí?"

Ciente de seu dever patriótico, Adalgisa bebeu um copo d’água.

Desde que os jornais foram proibidos, em janeiro de 2023, a população passou a se informar só por canais de WhatsApp autorizados pelo governo. E Adalgisa passou a vista nas notícias do dia. "Décimo dedo de Lula é encontrado no fiofó de uma capivara anêmica." "Placar da vida: 129.898.443 pessoas não morreram hoje." "Ecologia: entenda por que as árvores atrapalham o meio ambiente."

Adalgisa olhou para cima e pediu ajuda aos céus. A dor de cabeça tinha voltado com força total.

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