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Roteirista e autor de “Diário da Dilma”. Dirigiu o documentário “Uma Noite em 67”.

O candidato-apendicite

A arte de provocar incômodo para virar assunto

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É possível passar a vida inteira sem lembrar que possuímos um apêndice. Mas é impossível viver 15 segundos com uma apendicite. Um incômodo nunca passa batido.

E não é só isso: a apendicite é um "case" disruptivo de publicidade e propaganda. Impossível suportar as agulhadas no abdome sem comunicar a um parente, amigo ou vizinho. Dona de uma vocação natural para a autopromoção, a apendicite vira o assunto principal quando se materializa em qualquer conversa.

O candidato-apendicite é aquele que só ganha relevância quando provoca incômodo. E vira assunto irresistível por causa disso.

Sua existência não é novidade. Assim como os mosquitos que zunem em nossos ouvidos nas madrugadas e os cupins que se multiplicam na destruição das madeiras, os candidatos-apendicite são numerosos.

A diferença é que agora existe uma estrutura para viralizar o que é histriônico e impertinente. E até criar praticamente um monopólio da inconveniência. Basta ver o que restam dos debates eleitorais: sob a regência irresponsável dos "click baits", as ideias, propostas e projetos somem na fumaça dos candidatos-apendicite. Com o impulso dos algoritmos, dos jornais e do WhatsApp, o incômodo virou estratégia de campanha.

Ilustração de Débora Gonzales para coluna de Renato Terra de 15 de agosto de 2024 - Folhapress

É sabido que o organismo político é tedioso, trabalhoso, lento, corrupto e está desestabilizado no mundo todo. O problema é que o candidato-apendicite é um sintoma que se apresenta como remédio. É como se uma empresa de telefonia fizesse uma campanha de publicidade promovendo a eficiência de suas ligações de telemarketing.

Por muito tempo, a intensidade das dores provocadas pela apendicite abafaram as qualidades silenciosas do discreto apêndice. Quase ninguém se interessaria em receber a ligação de um parente informando as qualidades digestivas e imunológicas dessa simpática extensão do intestino. Mas um telefonema anunciando uma apendicite causa mobilização imediata.

Um dos problemas da apendicite, como se sabe, é a ausência de características positivas. Mesmo com o poder de quebrar o tédio de um dia chuvoso e de chamar a atenção de forma ruidosa, a apendicite possui menos virtudes que uma topada com o dedinho do pé na quina de um degrau. A topada serve ao menos para alertar sobre o degrau.

O candidato-apendicite precisa ao menos servir de alerta: não é possível que a inconveniência, o incômodo e o desconforto continuem sendo as características mais vigorosas de um projeto de país.

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