Siga a folha

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

Descrição de chapéu

Não é vergonha alguma ser pobre, nem ouvir fado, nem gostar de comer bacalhau

Quando gente chamada Silva e Oliveira deplora a chegada de portugueses ao Brasil, é forçoso que lamentem o próprio sangue

Assinantes podem enviar 5 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Em fevereiro, Roger Silva disse que não concordava com "essa bacalhoada chegando aqui", referindo-se aos treinadores portugueses no Brasil.

Já neste mês, Oswaldo de Oliveira acrescentou que os técnicos portugueses "chegam aqui, metem o pé na porta e qualquer um dirige o melhor time do Brasil. É só falar ‘ora, pois’. Não pode isso!".

O meu primeiro impulso foi pensar que o ambiente iria ficar pesado quando esses treinadores brasileiros se cruzassem com os seus colegas de profissão portugueses, mas felizmente não há perigo: Roger Silva treina um time da série D e Oswaldo de Oliveira está desempregado.

Impossível de evitar é o encontro de Roger Silva e Oswaldo de Oliveira consigo mesmos, e esse convívio também deve ser problemático.

Quando pessoas chamadas Silva e Oliveira deploram a chegada de portugueses ao Brasil, é forçoso que estejam a lamentar a existência de um bisavô, de um avô, de um pai —enfim, do próprio sangue.

Em 1995, passei uma temporada no sul da França e aconteceram duas coisas memoráveis: conheci Diego Armando Maradona no aeroporto de Nice e percebi, pela primeira vez, que gostava de ser português.

Num hotel onde me iria hospedar, a pessoa que me esperava perguntou, um pouco exasperada: "Où est le garçon portugais?", ou "onde está o rapaz português?".

Imediatamente teve um pequeno sobressalto quando percebeu que eu estava mesmo à sua frente e tinha ouvido o seu insulto: ela tinha-me chamado português. Para ela, não era uma coisa boa. Significava: "Onde está o filho do síndico?". Ou: "Onde está o filho da empregada da limpeza?". Ou ainda: "Onde está o rapaz cuja família pobre, ao fim de semana, assa um peixe estranho na grelha enquanto o rádio toca umas músicas tristes de tom vagamente árabe?".

Eu resolvi tranquilizá-la. Nada daquilo me ofendia. Não é vergonha ser pobre, nem ouvir fado, nem gostar de bacalhau. Ser português é, até, bastante bom. Claro que não lhe disse assim. Limitei-me a responder, com uma alegria um tanto orgulhosa e ignorando o seu injustificado embaraço: estou aqui.

Espero que, depois de Jorge Jesus, também Abel Ferreira, Vítor Pereira, Luís Castro e António Oliveira continuem a contribuir para o prestígio do futebol brasileiro. Estamos juntos, bacalhoada.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas