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Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

Descrição de chapéu

O mundo já melhorou com as correções feitas às histórias de Roald Dahl

O nosso progresso moral é tão notável que precisamos trazer ao mesmo nível de santidade quem chafurda na podridão

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É impressão minha ou o mundo já está muito melhor? Desde que os livros infanto-juvenis de Roald Dahl começaram a ser corrigidos, creio que já se respira um ar mais puro.

Os livros cometiam delitos muito graves, e por isso vão passar a ser publicados com emendas. Já passamos da fase da contextualização. Estamos agora na fase de cortar e reescrever as histórias.

O nosso progresso moral é tão notável que precisamos trazer ao nosso nível de quase-santidade certas pessoas que no passado chafurdavam na mais lamacenta podridão.

É o caso de Roald Dahl, e das indecências que foi escrevendo.

Por exemplo, o original escandaloso do livro "O Fantástico Sr. Raposo" descrevia os terríveis tratores pretos como monstros assassinos de aspecto brutal. Na nova versão correta e proba, são apenas monstros assassinos de aspecto brutal. Deixaram de ser pretos.

O fato de os tratores serem pretos era, evidentemente, nocivo. Porquê, eu não sei. Mas estou aliviado.

No livro "Matilda", o autor escreveu que a menina gostava muito de ler, e que através dos livros tinha viajado com Joseph Conrad, tinha ido a África com Ernest Hemingway e à Índia com Rudyard Kipling.

Na nova versão, corrigida virtuosos que não toleram a baixaria de Dahl, Conrad e Kipling foram expulsos, e a menina passeia com Jane Austen e visita a Califórnia com John Steinbeck. Continua a ir à África com Hemingway, mas deixou as leituras problemáticas de Conrad e Kipling, graças a Deus.

Felizmente, os revisores impediram que a menina fictícia tivesse contato com a arte degenerada daqueles autores. Ler grandes obras da literatura mundial poderia causar-lhe danos irreparáveis.

Augustus Gloop, personagem de "A Fantástica Fábrica de Chocolate", deixou de ser gordo e, para alívio de todos, passou a ser "enorme" —pelo menos até à próxima correção. A Sra. Twitt, do livro "Os Pestes", deixou de ser "feia", e é agora "muito desagradável".

Em "As Bruxas", Dahl teve o topete de dizer que as bruxas usavam perucas por serem carecas.

A seguir à explicação aparece agora a redenção: "Há muitas outras razões para que mulheres usem perucas, e não há nada de errado nisso." Amém.

Admiráveis tempos em que os veículos agrícolas não são pretos, as pessoas não são feias nem gordas e ninguém lê Conrad nem Kipling. É o mundo com que sempre sonhei.

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