Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Descrição de chapéu

Kanye West deveria ir à Alemanha de Hitler para mostrar sua admiração

Philip K. Dick teria dificuldade de convencer o público de que um rapper negro poderia ser admirador do líder nazista

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Quando, em 1962, Philip K. Dick publicou o livro "O Homem do Castelo Alto", muita gente ficou impressionada com a imaginação do autor. Ele, afinal, concebera um mundo em que os nazistas tinham saído vencedores da Segunda Guerra Mundial.

No desenho de Luiza Pannunzio um homem negro está de pé de pernas afastadas e braços  apontandos para cima, segura um microfone com a mão direita, vestindo roupas largas em tons de cinza, tenis esportivo e cordão de ouro no pescoço.
Ilustração de Luiza Pannunzio para coluna de Ricardo Araújo Pereira

Metade dos Estados Unidos era controlada pelo império japonês; a outra metade, pela Alemanha nazista. A obra ganhou o prestigiado Prêmio Hugo, que distingue todos os anos os melhores trabalhos de ficção científica, mas apenas porque o júri não sabia na altura que criatividade a sério não era criar aquela história, mas inventar Kanye West.

Isso, sim, seria prodigioso. Claro que a melhor ficção é a que não deixa de ser verossímil, e teria sido difícil convencer o público de que um rapper negro poderia ser admirador de Hitler, e talvez tenha sido por isso que Dick se contentou com uma América dominada por nazistas.

O problema é que Kanye West também não merece crédito por ter inventado Kanye West. Na verdade, Kanye West é um plágio de um esquete humorístico de Dave Chappelle, que há quase 20 anos inventou Clayton Bigsby, um negro cego que era supremacista branco.

Marx disse que todas as ocorrências e figuras históricas surgem duas vezes: primeiro como tragédia e depois como farsa. É agora evidente que ele estava enganado. As coisas se repetem, sim, mas primeiro como farsa e depois como Kanye West.

Há dias, West foi entrevistado pelo famoso energúmeno Alex Jones. Jones achou-o um pouco extremista, acontecimento que nunca teria acontecido antes. Na entrevista, West declarou que amava Hitler, em quem detecta várias qualidades. E deu como exemplos o fato de o ditador ter inventado as rodovias e os microfones.

Tendo em conta que eu inventei as rodovias e os microfones tanto como Hitler, é possível que West me admire também. Muita gente fantasia com a hipótese de voltar atrás no tempo e matar Hitler no berço, quando ele era ainda criança, porque assim o mundo nunca conheceria o Holocausto.

Pessoalmente, tenho uma fantasia parecida, mas apesar de tudo diferente: gostaria que Kanye West pudesse voltar atrás no tempo para ir à Alemanha dos anos 1930 manifestar pessoalmente a Hitler toda a sua admiração.

E assim o mundo, provavelmente, nunca conheceria os discos de Kanye West.

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